Vozes das ruas
Tem-se como do presidente do PMDB, deputado Ulysses Guimarães a histórica citação “a voz rouca das ruas”. Não é dele. É do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso quando registrou em 1997, "a voz rouca das ruas". Dois anos depois, ele foi vítima dessa voz nos protestos "Fora FHC". Desta vez, o alvo da "voz rouca das ruas" é o PT e a presidente Dilma Rousseff.
Está bem claro desde 2013 que as ruas estão construindo uma voz. Queira ou não o Partido dos Trabalhadores, o PSDB, o PMDB, o governo de Dilma Rousseff, o Congresso Nacional ou qualquer outra voz que se erga contra. Por que a voz rouca das ruas retornou à garganta dos brasileiros? Em 2013 foram os jovens. Em 2015 foram os jovens e os adultos. No primeiro momento o governo tentou desqualificar que somente eleitores que não votaram em Dilma Rousseff foram às ruas. Depois negaram e ela própria admitiu que foram eleitores de todas as cores políticas.
Não foi só a péssima gestão que mobilizou milhares de pessoas a irem ás ruas numa tarde de domingo, habitualmente preguiçosa presa na tela da TV ou nos estádios de futebol, quando não numa soneca domingueira. Foi o conjunto difuso da indignação contra tudo. O que é esse tudo? É a inexistência de serviços públicos compatíveis com o volume de impostos pagos pelos cidadãos e pelas empresas. Saúde, educação e segurança predominam nessa lista e nesta ordem. Depois de serviços públicos vem a corrupção e depois outras inúmeras queixas. Se individualmente elas tem peso, no conjunto tornam-se o mote que levou massas de gente às ruas.
Ficou bem claro que o governo, o Congresso Nacional e os partidos políticos fizeram cara de quem não entendeu, que é para desqualificar os protestos. Aliás, essa é uma tática histórica da esquerda: desqualificar a importância daquilo que não lhe agrada. Mas pode ter outro significado muito mais sério: alienação em relação à realidade.
Em 2013 o governo, o Congresso Nacional e os partidos fingiram ter-se emocionado com milhares de jovens nas ruas. Mas logo esqueceram e tudo voltou ano normal. Desconheceram a existência da “voz rouca das ruas”, que voltou e parece tomar consciência de que poderá voltar sempre que necessário. A queda da Bastilha se deu sob o movimento da vou rouca e indignada de uma França de joelhos no século 18.
O que não se pode mesmo é desconhecer a formação de uma identidade política dentro dessa voz rouca das ruas.
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso