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NOTÍCIA

Descobertas no rio da Dúvida

Data: Sexta-feira, 21/10/2011 00:00
Fonte: EPTV- Terra da Gente

Rio no Brasil com nome de índio todo mundo conhece ou já ouviu falar de algum. Mas com nome de ex-presidente dos Estados Unidos só existe um: é o rio Roosevelt que o Terra da Gente vai mostrar neste sábado (22/10). A viagem relembra a expedição feita por Theodore Roosevelt no século passado. Quase 100 anos depois, nossa equipe vai atrás dos peixes e da história deixada pelos exploradores que desafiaram os perigos da selva amazônica para descobrir onde desaguava o chamado rio da Dúvida. Para chegar ao Roosevelt, um dos caminhos é pela Transamazônica com curvas perigosas, passagens estreitas e sem asfalto. Na hora da pesca, a primeira parada é no rio Aripuanã onde deságua o Roosevelt. Em cada arremesso vem um tucunaré. Aparecem também matrinxãs e, para encerrar a pescaria, uma bicuda. No dia seguinte, a pesca no rio Roosevelt garante uma bela pirarara de 9,50 kg e bravas cachorras. Mas a grande surpresa foi no lago do rio Guariba. O repórter André Gustavo pescava tucunaré com equipamento leve quando um gigante pirarucu fisgou a isca artificial. Será que ele vai conseguir embarcar o peixe?

Programa 681 – Aripuanã/Roosevelt

Aripuanã

A primeira vez num rio é sempre uma descoberta. Será que as águas são mansas ou tem corredeiras? O que vem depois de cada curva? Os peixes são pequenos, grandes, perigosos? E o restante dos bichos, como é? E a mata ao redor, o que esconde?

Hoje, essas dúvidas são irrelevantes, mas em 1914, quando um rio que sequer estava no mapa foi explorado, essas mesmas questões foram feitas e as respostas arruinaram um grupo de homens e quase acabaram com a vida de um ex-presidente dos Estados Unidos.

O rio Roosevelt, no Amazonas, ainda guarda mistérios que a equipe do Terra da Gente foi desvendar.

A saída é de Manaus. Foram duas horas de viagem até o município de Apuí, perto da fronteira com o estado de Mato Grosso. Do alto do avião monomotor já se vê que a cidade é pequena. São apenas 18 mil habitantes.

O guia de turismo Luis Eduardo Quadros conta que muitos moradores vieram do sul do país para colonizar as terras. A economia gira em torno das madeireiras que agora estão paradas a espera da regularização de áreas para o manejo sustentável da floresta.

De Apuí até o destino final, o rio Roosevelt, o caminho é por terra, mas não por qualquer estrada: foram cem quilômetros da famosa Transamazônica.

Depois de algum tempo na estrada, chega um ponto em que só é possível seguir pela balsa. Mas é no meio do rio Aripuanã que desembarcam. O restante da viagem é de barco, foram vinte minutos até chegar ao rio Roosevelt.

A localização é privilegiada. Além do rio Roosevelt, foi fácil ter acesso ao rio Aripuanã, um dos locais escolhidos para a pescaria. O grupo sobe o rio apreciando a paisagem.

Os arremessos começam. O primeiro a dar as caras é um jacundá. Logo sai o primeiro tucunaré da viagem.

Os peixes do Aripuanã são vorazes, mas muitas vezes não conseguem fisgar. Tentam, então, a técnica de arremessar duas iscas ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Deu certo.

Dali para frente começou o festival. Foram diversos peixes: tucunaré, jacundá, matrinxã, piranha... Em alguns locais do rio, a água é tão clara que dava para ver o peixe mordendo a isca.

Seca

O dia amanhece e a expectativa de ver os grandes peixes de couro era grande. O grupo volta ao rio Aripuanã. A paisagem impressionava cada vez mais. O fim da seca na região e as rochas, antes escondidas pelas águas, pareciam majestosas. A beleza, porém, também oferece riscos. Foi preciso ter cuidado para guiar os barcos em meio a tanta pedra.

O rio estava baixo. O trecho de corredeiras, conhecido como Cachoeira do Aruanã, tem 500 metros, e normalmente é feito em dois ou três minutos. No auge da seca como a equipe encontrou, o caminho não levou menos que meia hora.

O que conta, nesses casos, é a experiência do piloteiro. Carlos Alves da Silva para o barco na correnteza, levanta o motor, segue um pouco mais, baixa o motor. Depois, repete tudo outra vez. Tanto trabalho para chegar onde os gigantes da Amazônia se escondem: nas profundezas.

O ponto do Aripuanã foi escolhido porque tem um poço bastante profundo. São mais ou menos 30 metros de profundidade. Esperam algum tempo, mas decidem trocar de poço. Logo, alguém morde a isca: uma arraia-de-fogo. É preciso soltar o bicho com cuidado.

Durante horas tentam fisgar os peixes de couro... Sem sucesso. O grupo se despede do Aripuanã procurando por bicudas, sob o por do sol.


História

Foi o rio Roosevelt que a equipe do Terra da Gente foi conhecer e foi nele a aventura começou no dia seguinte.

A história do rio é digna de filme de Hollywood, principalmente porque um dos protagonistas é americano.

Em 1913, depois de dois mandatos como presidente dos Estados Unidos e da tentativa frustrada de eleger-se para um terceiro, Theodoro Roosevelt resolve fazer uma viagem por territórios inexplorados do Brasil.

Dos vários roteiros que tinha em mãos, escolheu o mais difícil: descer um rio recém descoberto pelo então coronel Cândido Rondon, mas que nunca havia sido explorado. Estava formada a expedição Roosevelt-Rondon, com a missão de mapear o rio desconhecido e, por isso mesmo, batizado de rio da Dúvida.

Só o que se sabia era que a cabeceira do rio ficava no estado do Mato Grosso. De lá partiu o grupo de 22 homens, com apenas sete canoas de um tronco só, pouca comida e a angústia de não saber quanto tempo levaria a expedição.

Quase cem anos depois, a equipe trilhou parte do caminho. Hoje, mesmo com barcos leves e movidos a motor, ainda há dificuldades. Em muitos pontos, para evitar as corredeiras, foi preciso desembarcar e caminhar pela mata.

Num desses desvios há uma capela. No jardim, muitas cruzes e a inscrição Semaúma, a mesma que constava num dos mapas desenhados a próprio punho por Roosevelt na época da expedição. Dentro da capela, várias muletas, pernas e braços de madeira. Fotos, roupas, dinheiro e outros objetos deixados por algum viajante e a inscrição.

O grupo parte para a pescaria no rio Roosevelt em busca dos peixes de couro. Foram várias tentativas em diversos pontos, até que eles vêm. O tempo vira e a natureza dá um espetáculo.

O vento que anuncia a chuva dispersa as sementes da paineira, que preenchem o céu, deixando a paisagem ainda mais bela. Nas águas ainda mais agitadas pelo vento, é hora de pescar cachorras. E elas dão trabalho.

Presidente seringueiro

Depois de quase cem anos, outra expedição norte-americana volta ao rio da Dúvida. Os exploradores, dessa vez, conhecem muito bem o lugar e sabem o que querem: são aventureiros em busca dos peixes brasileiros.

Dois turistas americanos pescam com a equipe. Basil Vecchioni, um deles, diz que leu sobre a história de Roosevelt no Brasil e que se já é difícil estar ali no momento, naquela época deveria ser muito mais. Ele diz que tem orgulho de ter tido um presidente que foi além.

Depois de trilhar o caminho de Roosevelt pelo rio que hoje leva seu nome, a equipe do Terra da Gente foi conhecer Teodoro. Não o ex-presidente americano, mas o ribeirinho. Dos pés descalços e calejados, da fala mansa e do raciocínio rápido, o marido de Francisca e bisavô do Anderson, o Teodoro que não sabia que tinha o mesmo nome de um presidente dos Estados Unidos.

Teodoro Macedo mora na comunidade do Guariba, um dos pequenos rios da região. Na porta da casa simples fica o símbolo de um tempo de riqueza na Amazônia. Uma seringueira que agora não dá leite, mas é fonte de vida para centenas de guaxos.

Ele já foi seringueiro, mas agora não quer nem ouvir falar da borracha. “No Roosevelt, tirei um ano com a extração da borracha. Não quero nem saber por dois motivos: trabalhei sem direitos e não tenho mais força. A coragem aumentou, mas a força acabou.”

Guariba

Seguindo pelo rio Guariba, o grupo queria chegar a uma lagoa onde o presidente é o pirarucu o peixe gigante da Amazônia que pode atingir até três metros de comprimento e 200 quilos. No caminho com chuva forte, um grupo de lontras pareceu nem se importar com o aguaceiro e resolveu brincar de esconde-esconde com a equipe.

Quando a chuva parou, outro obstáculo: um Igarapé onde navegar era praticamente impossível. Finalmente, chegam à lagoa sem pretensão de fisgar o grande peixe e começam a pescar tucunarés.

E justamente quando o cinegrafista tentava consertar a câmera o inesperado aconteceu: um peixe enorme mordeu a isca do repórter do Terra da Gente. Para não perder a ocasião, o momento foi registrado por uma câmera fotográfica. Parece até história de pescador...

A briga era com um pirarucu e, por isso, voltam a usar a câmera, mesmo com a lente embaçada.

A briga foi longa... O pirarucu começou a subir para tomar ar com mais freqüência, sinal de que estava cansado e que a briga estava perto do fim.

Para não perder o peixe, caso a linha arrebentasse, começou a tentativa desesperada de fisgá-lo com outro anzol, com linha e vara mais resistentes. Mas não conseguiram. O mais forte venceu a briga de duas horas. Como se dissesse adeus, ou até nunca mais, o majestoso peixe apareceu fora d’água uma última vez e sumiu.

O fim da viagem por Roosevelt trouxe a sensação de ter vivido, por alguns instantes, com três presidentes: um americano, um ribeirinho e um deus das águas.