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NOTÍCIA

Desenvolvimentismo, ambientalismo e a agricultura familiar em Mato Grosso

Data: Quinta-feira, 18/01/2018 00:00
Fonte: CENÁRIOMT COM ASSESSORIA
 

 

Nesta experiência de 36 meses ininterruptos como Secretário de Estado de Agricultura Familiar e Assuntos Fundiários, tenho conhecido de perto os potenciais ambientais, turísticos e econômicos dos 86 municípios mato-grossenses definidos pelo Ministério do Meio Ambiente como sendo do bioma Amazônia, algo em torno de 60% do território de Mato Grosso.

 

Estive em um evento no Pará em 2017 sobre regularização fundiária voltado aos estados amazônicos e estranhamente o mapa de Mato Grosso não estava na logomarca dos materiais publicitários e tão pouco nas apresentações, causando-me estranheza. A partir de então comecei a refletir sobre o assunto. O porquê de tal silêncio?  De uma maneira geral, porque não nos reconhecemos como parte deste bioma?

 

As políticas de colonização da Amazônia foram definidas pela Ditadura Militar com a construção de obras estruturantes, além de investimentos, como a BR 163-364, Cuiabá-Santarém, a Belém-Brasília, entre outras, dentro de um programa de integração nacional com o lema “integrar para não entregar”.

 

Como consequência destas políticas de ocupação da Amazônia, muitas colonizadoras privadas requereram terras públicas para estabelecer grandes loteamentos acompanhados por um arrojado programa de assentamento organizado pelo INCRA. Como resultado, 67% dos assentamentos estão na Amazônia, totalizando assim 264 projetos.

 

A mentalidade, a propaganda e o fomento oficial da época estimulavam o desmatamento como passo inicial da ocupação, “abrir a área” como dizem até hoje ou “limpar a área”, ocasionando a 1ª etapa da exploração, seguido do comércio de madeira e a agropecuária extensiva, sem tecnologia, expansiva e predatória, quase sempre para a criação de “gado branco”.

 

Em muitos casos, o próprio governo disponibilizava motosserras e os famosos tratores D5 para derrubar a mata. Para se ter um exemplo, um município como Cotriguaçu chegou a ter mais de 30 madeireiras no auge da colonização e hoje possui apenas 4.

 

Numa combinação de colonizadoras privadas e incentivos de toda ordem do poder público através de agrovilas e assentamentos rurais, foram surgindo cidades em uma época em que as questões ambientais e climáticas não estavam na agenda de debates e prevalecia a ideologia do ‘progresso e do desenvolvimentismo nacionalista’.

 

Temas como cota mínima legal para usufruto da área, reserva legal, APP e espécies vegetais protegidas por causa do risco de extinção, monitoramento do desmatamento por satélites e focos de calor foram pautas que se consolidaram anos mais tarde como política efetiva de sustentabilidade.

 

 

A partir da década de 90, pós “Constituição Cidadã”, os debates e a pressão ambiental se intensificaram no mundo, levando a uma fiscalização mais intensa por parte dos órgãos e promotorias ambientais com acompanhamento mais efetivo de ONG’s internacionais e entidades ambientais.

 

Findando esta década, as operações policiais se avolumaram significativamente na região, causando muitas discussões sobre este modelo de desenvolvimento e conflitos em geral. Pertencer à Amazônia começou a ser percebida como “atraso” ou um problema por causa dos problemas ambientais e agrários por conta da exploração de madeira e minerais.

 

Nesta fase e por questões políticas, iniciou-se uma desconstrução ou um silenciamento da nossa condição amazônica: raros prefeitos tocavam neste assunto, pouco apresentavam suas bases e vocações econômicas ou desenvolviam políticas diferenciadas para o bioma, para hipoteticamente não terem um controle maior da fiscalização e olhares internacionais.

 

Predominou então uma visão de ambientalismo típico dos anos 80 com viés exclusivamente preservacionista, conservacionista e as ONGs que eram as porta-vozes deste processo de defesa sofreram muito preconceito e violência.

 

Como consequência desta visão repressora, todos os investimentos internacionais na área ambiental de Mato Grosso, quase sempre focaram o chamado “comando e controle” e muito pouco o desenvolvimento sustentável. Nesta esteira, os embargos ambientais de 13 (P.A) Projetos de Assentamentos Federais, com o afã de controlar o desmatamento ilegal além de não resolver o problema nos assentamentos, levou para marginalidade produtores sem acesso ao crédito e aumentando o empobrecimento rural.

 

É claro que este pequeno produtor que ocupou o bioma dentro de uma concepção desenvolvimentista não pode ser o único culpado pela devastação de sua área, uma vez que havia um ‘modelo de ocupação’. E por outro lado, ele dificilmente vai desenvolver qualquer serviço ambiental sem alguma compensação ou pagamento do serviço ambiental.

 

A estratégia PCI (Produzir, Conservar e Incluir) apresentada na Europa pelo atual Governo em 2015, tem como fundamento na agricultura familiar, reconhecer de fato e direito a nossa condição amazônica oferecendo aos municípios e aos pequenos produtores uma certa compensação pelo serviço ambiental desenvolvido em forma de apoio e agregação de valor as suas atividades produtivas, resolvendo assim essa suposta oposição entre produção e preservação.

 

 

Esta iniciativa vai aos poucos mudar a situação de abandono das pequenas propriedades através da inclusão produtiva e os municípios vão se desenvolver economicamente com a preservação ambiental, principalmente, quando se reconhecerem como sendo amazônicos, porque até então esta condição só trazia desvantagens.

 

Há que se considerar o papel e a força do estado de Mato Grosso e do ‘governo Taques’ que de maneira corajosa liderou junto da sociedade civil, a PCI, nas Conferências Mundiais do Clima (Cop’s) da França e Alemanha em 2015/2017. A estratégia PCI já dá um novo rumo para o desenvolvimento do estado rompendo com uma visão desenvolvimentista ainda da segunda metade do séc. XIX.

 

Já percebemos muitas iniciativas interessantes surgindo, inclusive nas estratégias de reflorestamento com produção de mudas de castanheira precoce em Apiacás e Castanheira, produção de Guaraná em Santa Helena, o Pro-Café no noroeste, a extração de castanha nativa em Claudia, o Açaí dos índios Araras em Aripuanã entre outras iniciativas que agora terão um investimento real por parte dos países desenvolvidos que investem e defendem a qualquer custo a preservação.

 

Demorou mais de 30 anos para superarmos o modelo antigo de progresso e termos este encontro entre desenvolvimento sustentável, ambientalismo e agricultura familiar.

 

O município de Vila Bela também faz parte do bioma amazônico e foi de lá que os portugueses observando a vegetação batizaram nosso estado e é inacreditável que passamos tanto tempo para dar sentido e razão a essa condição e identidade regional, esse gentílico.

 

Diria pela exuberância do nome das cidades: Castanheira, Itaúba, Juruena e Alta Floresta, que nenhum estado da federação brasileira é tão ligado a Floresta Amazônica quanto o nosso, por mais que ainda não tenhamos consciência disso, tanto que o estado traz no nome essa verdade: Mato Grosso.