ARIPUANÃ, Sexta-feira, 29/03/2024 -

NOTÍCIA

Promotores e Assembleia em conflito

Deputados querem sustar a criação e recriar o Parque Serra Ricardo Franco, em Vila Bela, na fronteira; MP não concorda

Data: Sábado, 29/04/2017 00:00
Fonte: Diário de Cuiabá/ EDUARDO GOMES

 

ARQUIVO
Parque Serra Ricardo Franco com 158 mil hectares na fronteira com a Bolívia, em Vila Bela da Santíssima Trindade
Da Reportagem



Num ponto Assembleia Legislativa e Ministério Público concordam: as reservas ambientais devem ser mantidas. Noutro, divergem: a primeira quer rever limites e a forma de criação das mesmas; o outro vê o status que como tabu ou assunto pétreo, como se diz nos meios forenses. No centro da divergência o Parque Estadual Serra Ricardo Franco, com 158 mil hectares na fronteira com a Bolívia, em Vila Bela da Santíssima Trindade, e que foi criado em 1997 pelo governador Dante de Oliveira; outras áreas de preservação também estão no centro das discussões, com destaque para a Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt, de 138 mil hectares em Aripuanã e Colniza.



A polêmica começou em 19 deste mês com a aprovação de um projeto de decreto legislativo em primeiro turno pela Assembleia sustando a criação de Ricardo Franco. Antes da segunda votação o tempo fechou entre parlamentares e MP, com o procurador Luiz Alberto Scaloppe, da Procuradoria de Justiça Especializada em Defesa Ambiental, elevando o tom com os deputados. Cauteloso, o presidente do Legislativo, Eduardo Botelho (PSB), retirou o projeto de tramitação argumentando que é preciso discuti-lo com a sociedade e o botou hibernando bem longe da pauta. A proposta parlamentar nasceu com o deputado Adriano Silva (PSB) e foi compartilhada por seus colegas Botelho e Oscar Bezerra (ambos do PSB), Wagner Ramos (PSD), Dilmar Dal’Bosco (DEM), Adalto de Freitas (SD), Allan Kardec (PT), Guilherme Maluf e Jajah Neves (ambos tucanos) e Janaína Riva (PMDB); o volume de assinaturas de deputados transferiu sua autoria para o Colégio de Líderes.



Secundado por ONGs, inclusive do exterior como a suíça Rede WWF e seu braço brasileiro WWW-Brasil, o MP não aceita sequer discutir a possibilidade de anulação da criação da reserva para sua imediata recriação, ainda que com área definida por georreferenciamento, plano de manejo, e sem que seja ocupada por eventuais grileiros, como propõe a Assembleia com base em um termo de ajustamento de conduta (TAC) do próprio MP com o governo. Reforçando o posicionamento contrário à proposta o promotor Roberto Turim, presidente da Associação Mato-grossense do Ministério Público (AMMP) colocou sua entidade ao lado de sua instituição.



Mesmo não sendo autor do projeto, o deputado Leonardo Albuquerque (PSD) insiste na medida. Segundo ele, a criação foi “nas coxas”, sem ouvir quem era proprietário ou posseiro na área. Leonardo acrescenta que tudo aconteceu no afogadilho, “até mesmo a sede da Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) e a Cachoeira dos Namoradores, que é o maior cartão-postal da fronteira ficaram de fora da área”, aponta. Mesmo crítico da situação o deputado defende a preservação do parque, “mas não do modo em que se encontra”.



Leonardo reside em Cáceres, também na fronteira; é conhecedor da região e alerta para o risco de agravamento do quadro de tensão social no município, que é caracterizado pelos extremos: ora o vácuo ora o excesso de Estado. Mesmo medindo palavras em respeito à memória do ex-governador Dante de Oliveira, o criador do parque, o deputado desabafou que Ricardo Franco e outras unidades de conservação foram criados diante de exigências internacionais numa espécie de barganha para a obtenção de financiamentos no exterior.



Adriano, autor do projeto, defende a existência do parque, mas discorda de sua criação “atabalhoada”. O deputado espera que no começo de maio a Sema bote em prática o TAC firmado pelo governo com o MP, que deveria entrar em vigor ontem. Esse documento prevê entre outras coisas a criação de um conselho consultivo para o parque.



Promotora de Justiça em Vila Bela, Regiane Soares de Aguiar discorda dos dois deputados. Em Cuiabá Regiane disse que a criação do parque foi precedida de estudos antropológicos e ambientais e que sua papelada obedeceu às normas legais. Ela, no entanto, admitiu que Ricardo Franco nasceu de um compromisso internacional do governo de Mato Grosso para obter financiamento no exterior.



Não há cadastro social e agrário dos que cultivam no parque. Essa falha impede que se saiba quem ali se encontrava antes de sua criação em 1997 e os que o ocuparam depois. Scaloppe chama de “grileiros” os que foram para a área após sua transformação em reserva.



O secretário de Meio Ambiente e vice-governador Carlos Fávaro viajou ontem para Porto Alegre do Norte e a Sema não emitiu nenhuma nota sobre o TAC, mas moradores na área revelaram que servidores daquela secretaria estiveram no local fazendo levantamento em campo.



Estima-se que mais de 110 famílias cultivem ou se dediquem à pecuária no parque sendo que dezenas ali estariam há mais de meio século e que não teriam sido consultadas quando de sua criação; há inclusive uma associação que as representa. Uma das propriedades naquela área, a fazenda Cachoeira, pertence ao chefe da Casa Civil da Presidência, ministro Eliseu Padilha, e esse fato arrastou parte da questão para o campo político.



O fato de Padilha ser pecuarista no parque teria contribuído para que a francesa Alice Thualt, diretora do Instituto Centro de Vida (ICV), participasse de um ato público promovido pelo MP no dia 19 deste mês em Cuiabá, contra a proposta da Assembleia. Thualt criticou suposto desmatamento no parque lembrando que a antropização agrava a questão climática na medida em que contribui para o aumento da temperatura. Do mesmo ato também participou o analista de Conservação do Bioma Cerrado/Pantanal do WWF em Brasília, Kolbe Soares, que representa sua ONG nas questões relativas a Ricardo Franco e seu vizinho Parque Nacional de Noel Kempff Mercado, com 158 mil hectares na Bolívia. Soares revelou que o WWW da Holanda financia a atuação de seus integrantes nos dois países e no Paraguai, nas áreas de cerrado e Pantanal ou Chaco.