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NOTÍCIA

Índio ‘brota’ MT afora

Data: Quinta-feira, 26/05/2011 00:00
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Por Maricelle Lima
Foto: Divulgação

O recente impasse entre fazendeiros e índios, no município de Alto Boa Vista (1109 km de Cuiabá), na região nordeste do Estado, traz um questionamento da forma como é caracterizado hoje uma TI (território indígena). De acordo com a Constituição Federal de 88, no parágrafo primeiro do artigo 231, define que terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são aquelas: "por eles habitadas

em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seu usos, costumes e tradições", diz o texto.

Definição questionável, pois, em várias situações onde se caracteriza território indígena em Mato Grosso, não há índio vivendo ou mesmo resquícios de povos que ali tenham vivido. Muitos denunciam que índios estão sendo plantados nesses locais ou até mesmo transformando ribeirinhos em nativos.

Exemplo é o da propriedade de Celso Ferreira Penço, no município de Acorizal (1065 km da capital) que a adquiriu em 1971 comprada do Estado. Ele conta que, no ano passado, recebeu a visita de um funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), informando-o da possibilidade de a sua fazenda ser terra indígena. “Estou no local há 40 anos quando minha fazenda ainda pertencia ao município de Aripuanã. Nunca vi um índio ou qualquer semelhança nas pessoas que ali vivem. Agora, do nada, minha fazenda tem índio?”, indaga.

Outro exemplo é o município de Tabaporã (643 km de Cuiabá): o território indígena de Batelão é questionado por um engenheiro florestal que prefere não se identificar. Ele conta que foi fazer uma análise de terra no município recentemente e, quando chegou à cidade, o assunto era que muitas fazendas estavam dentro de território indígena. Mas as pessoas que vivem na região disseram nunca terem visto índio nas imediações.

“Se tem índio loiro não sei, mas a única referência que tive da cidade era que todos os moradores que ali viviam eram loiros de olhos azuis. Em nenhum momento avistei um índio pela cidade ou mesmo alguma semelhança de traços característicos de grupos indígenas”, disse.

O mais recente fato é o da gleba Suiá Missu era uma fazenda que pertencia à empresa italiana Agip Petróleo. A área teria sido doada na década de 1980 aos índios pela Igreja Católica porque um dos acionistas da empresa seria ligado ao Vaticano. Atualmente, a região possui cerca de mil índios xavantes distribuídos em três aldeias. Desde 1998, por meio de decreto presidencial, a terra foi declarada indígena.

O presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, deputado José Riva (PP), fez parte da comitiva junto com o governador Silva Barbosa (PMDB) e outros políticos do Estado que estiveram, na semana passada, em Brasília para tentar resolver o impasse no município de Alto Boa Vista.

Riva comenta que a melhor solução para o impasse é outro local para os índios já que o município de Alto Boa Vista está povoado por cerca de 700 famílias que podem ser despejadas porque a área foi declarada indígena. O deputado teme confronto entre os Xavantes e as famílias que vivem no local. “Hoje a cidade tem laticínio, armazéns, residências e comércios. Pessoas investiram tudo ali. Defendo outro local de floresta nativa para as pessoas que vivem na gleba Suiá Missu. Essas famílias estão instaladas na área há pelo menos 25 anos”, salienta.

Em reunião no Ministério da Justiça, com o secretário-executivo Luiz Paulo Barreto, o governador propôs uma permuta de terras, para que as famílias continuem na região. A proposta é de que a Terra Indígena seja transferida para uma nova área, também localizada na região do Araguaia, com 225 mil hectares. A região, ocupada hoje pelos pequenos produtores e que foi decretada área indígena, tem 152 mil hectares.

O governador ressalta que a área para a transferência é rica em recursos naturais, situada entre o rio das Mortes e Araguaia. Enquanto isso, a área que hoje pertence aos índios já foi antropizada, ou seja, tem forte intervenção do homem, já que as famílias produzem na terra.

O Ministério da Justiça se comprometeu a analisar o pedido e vai montar um grupo de trabalho em conjunto com a Funai para avaliar a situação. “Pedimos que eles tomem providências urgentes para se evitar um confronto entre índios e não-índios. Essas famílias estão instaladas na área há cerca de 25 anos. Se não buscar uma solução vai ter conflito, não tenho dúvida nenhuma. E é o que queremos evitar”, destacou o governador.

O que caracteriza um território indígena?

Atualmente Mato Grosso tem cadastradas 69 Terras Indígenas. De acordo com assessoria da Funai, para se caracterizar território indígena é preciso que um antropólogo com qualificação reconhecida para elaborar estudo antropológico de identificação e estudo fundamentado com o trabalho do grupo técnico especializado, que realizará estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica, cartográfica e ambiental, além do levantamento fundiário, com vistas à delimitação da TI. O relatório tem que ser aprovado pela presidência da Funai, que, no prazo de 15 dias, fará com que seja publicado o seu resumo no Diário Oficial da União (DOU) e no Diário Oficial da unidade federada correspondente.

A Funai tem, então, 60 dias, após os 90 mencionados no parágrafo anterior, para elaborar pareceres sobre as razões de todos os interessados e encaminhar o procedimento ao Ministro da Justiça (MJ).

O MJ terá 30 dias para: expedir portaria, declarando os limites da área e determinando a sua demarcação física; ou prescrever diligências a serem cumpridas em mais 90 dias; ou ainda, desaprovar a identificação, publicando decisão fundamentada no parágrafo 1º. do artigo 231 da Constituição.

Declarados os limites da área, a Funai promove a sua demarcação física, enquanto o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em caráter prioritário, procederá ao reassentamento de eventuais ocupantes não-índios.

O procedimento de demarcação deve, por fim, ser submetido à Presidenta da República para homologação por decreto. A terra demarcada e homologada será registrada em até 30 dias após a homologação, no cartório de imóveis da comarca correspondente e no Serviço de Patrimônio da União (SPU).