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NOTÍCIA

MPF investiga exploração de madeira em terra indígena de MT após 18 anos

Relatório de 1996 denunciou exploração madeireira por grupos asiáticos. MPF determinou abertura de novos inquéritos para retomar investigações.

Data: Terça-feira, 01/09/2015 00:00
Fonte: G1 MT

Quase 18 anos após denúncias feitas em um relatório da Câmara dos Deputados, a suposta exploração madeireira dentro de terras indígenas da Amazônia Legal por parte de grupos empresariais asiáticos voltou a ser objeto de investigação. O Ministério Público Federal (MPF) em Mato Grosso determinou a abertura de inquéritos civis para apurar o caso em 21 terras indígenas do estado com base na apuração divulgada em 1997. O primeiro deles, instaurado no último dia 10, apura suposta exploração clandestina na terra indígena Panará, na divisa entre Mato Grosso e Pará.

 

Retomado somente agora pelo MPF, o relatório que embasa as novas investigações foi produzido pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados entre 1996 e 1997. De relatoria do ex-deputado Gilney Viana (PT), de Mato Grosso, na época a comissão apontou indícios de que grupos asiáticos, sobretudo da Malásia, estariam atuando dentro de terras indígenas da Amazônia Legal comprando madeireiras, serrarias e faixas de terra para exploração.

 

Em Mato Grosso, foram apontadas 21 terras indígenas supostamente afetadas (veja tabela), sem contar o Parque Indígena do Xingu. Dentre as áreas indígenas, a Panará foi a que teve o primeiro inquérito civil instaurado para investigação, por parte do procurador Ígor Miranda da Silva.

 

Terra Indígena Localização
1 Panará Guarantã do Norte
2 Enawenê-Nawê Juína
3 Japuíra São José do Rio Claro
4 Aripuanã Aripuanã
5 Parque Indígena Juína
6 Serra Morena Juína
7 7 de Setembro Aripuanã
8 Arara do Rio Branco Aripuanã
9 Escondido Cotriguaçú
10 Zoro Aripuanã
11 Irantxe Brasnorte
12 Menkü Brasnorte
13 Pequizal V. Bela da S. Tridade
14 Sararé V. Bela da S. Tridade
15 Vale do Guaporé Comodoro
16 Lagoa dos Brincos Comodoro
17 Pirineus de Souza Comodoro
18 Taihantesu Comodoro
19 Juininha Pontes e Lacerda
20 Urubu Branco S. Félix do Araguaia
21 Tadarimana Rondonópolis

 

 

T.I. Panará

 


Nas proximidades do município mato-grossense de Guarantã do Norte (a 721 km de Cuiabá), a terra indígena Panará tem pouco menos de 500 mil hectares de ocupação tradicional da etnia Panará, também conhecida como Kreen-Akarore, cujo contato com o homem branco ocorreu no início da década de 70. O último levantamento demográfico da terra indígena, feito em 2013 pela organização Instituto Socioambiental (ISA), revelou uma população de 525 pessoas no local.

 

Ainda em 1997, um sobrevoo feito pela administração da Fundação Nacional do Índio (Funai) e relatado pela Comissão Externa da Câmara constatou a abertura de mais de 100 quilômetros de estradas clandestinas no interior da Terra Indígena Panará. Na época, já havia intensa exploração de mogno nas reservas e índios kaiapós de outra terra indígena chegaram a ser utilizados por madeireiros para intimidar funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) em fiscalizações.

 

Em outubro de 1997 também houve ataque de índios panará a grileiros e demais ocupantes ilegais de suas terras, com a destruição de maquinário e apropriação de bens dos madeireiros por parte dos índios.

 

Em 1998 a própria Funai, ao lado do Ibama e da Polícia Federal (PF), apreendeu madeira extraída ilegalmente da terra indígena Panará, o que, segundo relato do órgão federal, “coibiu bastante a entrada de madeireiros”, os quais se utilizavam de estradas a partir de Guarantã do Norte e Castelo, no Pará.

 

Empresas

 


Até a divulgação do relatório da comissão de deputados, pelo menos 19 madeireiras atuando dentro de terras indígenas de Mato Grosso. No caso de Panará, não foi identificada a madeireira.

 

O relatório também identificou grupos empresariais e acionistas estrangeiros atuando por meio das madeireiras nas terras indígenas. Foram encontradas relações dessas empresas com holdings sediadas nas Ilhas Cayman (conhecidas por serem um paraíso fiscal).

 

Também foram identificados acionistas asiáticos que estariam por trás de três holdings e um emaranhado de empresas subsidiárias. Um dos grupos empresariais identificados pelo relatório era, à época, sediado na Malásia e, além do Brasil, mantinha negócios de exploração de madeira no Camboja, na Guiana, na China e na Nova Zelândia. Outros dois grupos da Malásia estariam em atuação na Amazônia Brasileira.

 

 

Índios Panará em imagem de 1994. (Foto: Aílton Costa/Instituto Socioambiental)

Índios Panará em imagem de 1994 (Foto: Aílton Costa/Instituto Socioambiental)

 

 

Agora, segundo o procurador da República em Sinop, Ígor Miranda da Silva, o MPF aguarda informações atualizadas da Funai e do Ibama sobre a situação da exploração de madeira clandestina dentro da terra indígena Panará, procedimento que deverá ser adotado pelos demais procuradores do MPF com relação às outras 20 terras indígenas supostamente afetadas desde 1996 – situação que pode não se confirmar.

 

A reportagem tentou comentar o assunto com o coordenador regional da Funai em Colíder (cidade a 648 km da capital), a mais próxima da terra indígena Panará, mas sem sucesso. No MPF, ainda não há perspectiva de quando deverão ser instaurados os inquéritos civis para investigação nas demais terras indígenas.

 

Por sua vez, o ex-deputado Gilney Viana, que coordenou a apuração da Comissão Externa da Câmara na década de 90, explicou que, mesmo 18 anos depois, a investigação é pertinente, mesmo com eventual apoio de organizações não-governamentais à população da terra indígena Panará. “Não é tarde. O relatório [da Comissão Externa] era prospectivo, abria uma discussão e anunciava uma tendência de futuro”, defendeu, mencionando que, até hoje, o grau de irregularidades cometidas na região da Amazônia Legal, de uma maneira geral, ainda é alto.