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NOTÍCIA

"Trabalhando bem conseguimos fazer revoluções no dia a dia da população”

Data: Terça-feira, 11/08/2015 00:00
Fonte: Nova Edição

 

 

 

 

A Arquiteta e Urbanista Gisa Fabris, de Sinop, além de ser professora universitária, integra há oito meses o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado de Mato Grosso (CAU).


O Conselho foi criado com a Lei nº 12.378 de 31 de dezembro de 2010, que regulamenta o exercício da Arquitetura e Urbanismo no país. Uma conquista histórica para a categoria, que significa maior autonomia e representatividade para a profissão. O CAU possui a função de “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de arquitetura e urbanismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem como pugnar pelo aperfeiçoamento do exercício da arquitetura e urbanismo” (§ 1º do Art. 24º da Lei 12.378/2010).


Gisa Fabris faz parte da comissão de ética e, além de explicar um pouco mais sobre como funciona esse trabalho, também falou sobre a importância da profissão e as grandes responsabilidades, já que um projeto pode até mesmo diminuir a criminalidade.


Além de Arquiteta e Urbanista, você é professora universitária e, agora, Conselheira Suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado de Mato Grosso (CAU). Há quanto tempo?
Desde 1º de janeiro. É a primeira vez no CAU, que é um conselho novo. Antes, nós arquitetos, éramos do mesmo conselho dos engenheiros, que é o CREA. Em 2012 desvinculou.


Como é o trabalho de um conselheiro?
Existem várias comissões. Comissão de ética, comissão de ensino, comissão de finanças, na área de profissional. É feito um grupo de conselheiros para fazer análises de processos ou qualquer assunto relacionado a estas divisões. Eu, por exemplo, faço parte do Conselho de ética. Todos os processos de ética serão encaminhados para este grupo de profissionais, que analisarão para julgar ou não. Quando não conseguimos julgar entre nós, é mandado para o CAU BR, que é uma instância maior, quando é um caso mais complicado, para poder fazer a análise desse processo e dar um retorno para o profissional ou para o cliente. Existe esta atuação. Fora isso, existe a atuação, dentro de tudo que é relacionado ao profissional. Por exemplo, em Cuiabá estão alterando algumas coisas das leis da Prefeitura relacionadas à questão de urbanismo. Então eles mandaram para o conselho dar o aval ou fazer alguma consideração.


Como funciona este Conselho de Ética que você faz parte? Qualquer projeto pode ser julgado?
É relacionado ao profissional, normalmente. Mesmo se for um projeto do município, existe um profissional responsável por aquilo. O processo é aberto para o profissional. Qualquer tipo de obra ou projeto tem um ou mais profissionais responsáveis. Então vai ser sempre relacionado a um profissional.


E como seria a falta de ética profissional nesta área?
Existem muitos técnicos da área que se apresentam como arquitetos, este é um caso. Quando você inicia um projeto, você emite um relatório que chamamos de RRT, que é o Registro de Responsabilidade Técnica. Esse relatório é o que diz o que você está fazendo em relação àquele projeto. Você pode emitir só relacionado ao projeto, sendo responsável só pelo projeto ou no projeto e na execução. Então digamos que eu tenha feito um projeto e emiti um relatório dizendo que sou responsável por ele mas,por algum motivo, ou por demora do meu cliente ou outra coisa, outro profissional acaba tomando conta deste projeto. Se o cliente de repente arruma outro profissional, também. Aí eu tenho que dar baixa no meu documento para que este profissional possa começar a partir daí a ter responsabilidade nele. E muitas vezes acontecem duplicidade. E isso, por exemplo, é uma falta de ética. Você está alterando ou executando um projeto que não é seu, que já existe um responsável. Outro caso seria quando você tem um projeto e o cliente quer contratar outro profissional para fazer uma alteração. Também não pode fazer alteração no projeto. Ele pode fazer um novo, mas alterar não. Ou uma duplicidade do projeto quando o cliente gostou desse projeto e leva para o outro fazer uma cópia. Então tudo isso está relacionado à falta de ética.


Quais os principais desafios da profissão, atualmente?
O maior desafio da nossa profissão eu acho que é interpretar e satisfazer o cliente. Não digo só cliente quando vamos elaborar uma casa, digo até quando o cliente é uma população. Precisamos nos preocupar com as normas, com a acessibilidade. Imagina para andar com um carrinho de crianças ou um cadeirante pelas ruas? Então são todas estas questões, até mesmo o crescimento das cidades, que crescem desorganizadas. O arquiteto tem o poder, se conseguir organizar bem uma cidade, fazer com que ela seja mais ou menos criminalizada, com a forma como se organiza este espaço. Porque às vezes colocam um espaço só comercial. Mas se colocar o comercial com o residencial você acaba diminuindo a criminalidade neste ponto, os assaltos à noite ou em um dia com menos movimento. É toda uma responsabilidade da profissão que a gente tem. Infelizmente nem sempre conseguimos trabalhar da forma que a gente quer, mas trabalhando bem conseguimos fazer revoluções muito grandes no dia a dia da população.


Nestes últimos 10 anos, quais as transformações sofridas pela categoria?  
O fato de termos saído de um conselho onde tínhamos mais profissionais e agora estarmos em um conselho novo, essa é uma grande evolução para nós. No conselho antigo, era um grupo maior de profissionais, então eram muito mais coisas para se preocupar. A mudança ocorreu há quatro anos. E não era só a nossa profissão, então agora temos um conselho que cuida só da nossa. Isso é um grande avanço. É claro que ainda estamos engatinhando quando pensamos no CREA, que tem mais de 50 anos de história. Estamos começando e temos muito a melhorar, mas eu imagino que esse “desvinculo” vai fazer com que a profissão seja muito mais bem vista. Até a questão mesmo das pessoas confundirem arquiteto com engenheiro, arquiteto com decorador. Existe muita confusão nisso. Então cada vez mais vai fazer que a profissão seja mais reconhecida e mais bem vista no trabalho, como ela realmente deve ser.

 
Neste mesmo período, em função dos avanços tecnológicos, em particular a informática, quais as mudanças mais expressivas ocorridas no exercício da profissão? 
Acho realmente que foi uma grande evolução. Hoje é muito difícil ter um escritório que tenha uma prancheta, que era onde se trabalhava antes. Até as pessoas que trabalharam muitos anos na prancheta, estão se adequando ao uso das tecnologias de desenho no computador, justamente pela facilidade. Antes, se eu estava trabalhando no papel e errava, praticamente tinha que desfazer. Ou então eu fazia a planta baixa, usava aquela mesma planta só pra fazer alguma alteração mais tinha que fazer um novo desenho. E agora não, eu copio essa alteração onde eu quero. Hoje temos a facilidade, a internet, a rapidez com a qual você manda um projeto para uma análise, ou caso eu precise mandar para outro estado ou outra cidade. É uma agilidade muito grande e uma atuação muito maior do profissional, graças à informação que temos hoje e à tecnologia. Eu acho que essa tecnologia existe há mais de 20 anos, mas é mais utilizada há uns 15.


De que forma você avalia os novos rumos da profissão em relação ao exercício e também ao produto arquitetônico?
Eu acho que, já tirando de base ter um conselho novo, vamos ter muitas evoluções na profissão, principalmente relacionadas à valorização. Porque o conselho tende a trabalhar exatamente isso. Fazer com que o arquiteto seja reconhecido pelo seu trabalho, que cada vez mais as pessoas saibam realmente o que o profissional pode fazer e é possível ser feito. Isso é o maior presente na nossa profissão, é realmente a criação do CAU. E tirando isso, com relação às tecnologias, cada vez evoluindo mais, a agilidade nestes projetos e a melhoria também. Porque quando você consegue agilizar um projeto, você consegue fazer com que ele fique cada vez melhor. Você gasta menos tempo fazendo algumas coisas e, com isso, faz com que o projeto seja mais evoluído.

 
Enquanto professora, como você acredita que deve ser o perfil de uma pessoa que está se formando em Arquitetura agora e vai atuar no mercado em breve? Basta saber arquitetura? Ou é preciso uma formação mais humanística com conhecimentos mais atualizados em economia, sociologia, política e arte? 
Principalmente a pessoa gostar de trabalhar com gente. Isso é mais do que saber desenhar. Desenho é técnica, então você vai aprender as técnicas de desenho. Você precisa ser uma pessoa criativa, com perfil de comunicação e de resolver as coisas. Não ficar esperando cair do céu. Eu acho que este é o principal perfil. Ser criativo, ter um bom relacionamento com as pessoas e conseguir resolver os problemas.

 
E voltando ao assunto, já que você citou que um trabalho bem feito pode até mudar a criminalidade em uma cidade, qual a sua opinião sobre a política habitacional e urbana desenvolvida hoje no país? E em Sinop?
A questão da acessibilidade tem que estar muito mais frequente. Falamos que a cidade tem que crescer de fora pra dentro e não mais de dentro pra fora. Ou seja, as pessoas têm que parar de tentar expandir cada vez mais as cidades e tentar utilizar mais o que já existe de infraestrutura nela. Nos grandes centros, o que acontece é que cada vez mais estão criando as mini cidades que são os condomínios mais afastados e o centro está ficando isolado. Mas é lá no centro que temos a maior infraestrutura, de ônibus ou metrô nos grandes centros. Essa questão da mobilidade urbana, ela tem que ser mais aproveitada. Quanto menos você precisar pegar o seu carro e ir até o seu serviço, é uma cidade mais bem organizada. Aí você já consegue melhorar a questão do trânsito, a questão da sustentabilidade diminuindo a poluição. Tudo melhora. E tem também a questão da criminalidade. Porque trazendo a população mais concentrada, menos espalhada, você tem ali em volta aquela questão do bairrismo, que é um vizinho cuidando do outro. Em Sinop, o que tenho para citar de positivo, é a construção dessas ciclovias e pistas de caminhada que fazem com que as pessoas possam aproveitar mais a cidade.