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NOTÍCIA

Aliados de Dilma e Aécio divergem sobre Mercosul e comércio exterior

Data: Sábado, 18/10/2014 00:00
Fonte: Jefferson Puff Da BBC Brasil no Rio de Janeiro

Aécio e Dilma no debate do SBT / Crédito: SBTDilma e Aécio disputam o segundo turno das eleições presenciais no dia 26 de outubro


Embora tenham em comum o apreço pelas relações internacionais, Marco Aurélio Garcia e Rubens Barbosa, os principais nomes das campanhas de Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), respectivamente, em termos de política externa, apresentam divergências ao analisarem como um novo governo deveria se posicionar em temas como o Mercosul, o comércio exterior e a projeção do Brasil no mundo.


A convite do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), os dois discutiram, em dias diferentes, alguns dos assuntos mais relevantes da política externa brasileira recente, além de apresentarem as principais propostas de seus candidatos para a área.


Como era de se esperar, a nove dias das eleições e em meio à crescente polarização no país, o evento promovido na UFRJ, no Rio de Janeiro, também incluiu críticas e trocas de farpas.

 

No cargo de Assessor Especial da Presidência para Assuntos Internacionais desde 2003, quando Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela primeira vez, Garcia defendeu as decisões dos últimos três governos do PT e disse que, no poder, Aécio e sua equipe seriam como "exterminadores” da política externa brasileira.


"Eles representam o velho, o candidato velho, que reedita a velha agenda da direita brasileira”, disse.


Marco Aurélio Garcia / Crédito: Jonathan Fernandes/CEBRIGrande nome da campanha de Dilma para política externa, Marco Aurélio Garcia acusa rivais de "representarem o velho"


Já o embaixador Rubens Barbosa, que no passado esteve à frente das representações de Londres e Washington, vem assessorando a campanha do PSDB e é um dos nomes cotados para ocupar a posição de ministro das Relações Exteriores num possível governo de Aécio Neves.


"Sei que fui atacado ontem aqui por Marco Aurélio Garcia, e é melhor mesmo que estejamos falando em dias diferentes”, disse, acrescentando que o principal diferencial do PSDB na área será "eliminar a influência ideológica que permeou a política externa do PT durante todos esses anos, e devolver ao Itamaraty o papel de principal assessor do presidente nestes assuntos”.


Mercosul e comércio exterior

Dois dos temas que mais chamaram a atenção durante o evento, o futuro do Mercosul e as estratégias de negociações comerciais são encaradas de maneiras diferentes pelas duas candidaturas.


Para o PT é admissível empreender melhorias que ajudem a destravar as operações, mas a primazia do bloco em si é indiscutível.


"O Mercosul é importante, e vai muito além de uma tentativa de criação de união aduaneira. Precisaremos de discussões, e de uma grande capacidade de negociação. E isso não se dará se nós dissermos que estamos cercados de países produtores de cocaína”, disse Garcia, em alusão a uma fala do candidato Aécio Neves num debate presidencial em que sugeriu endurecer o tratamento a países da região que produzem drogas.


No outro extremo, Barbosa disse que o Mercosul "não está servindo aos interesses brasileiros” e que o país está "amarrado” devido às exigências em vigor, que não permitem que seus membros assinem acordos de livre comércio com outros países da região.


E na impossibilidade de negociação, o embaixador não descarta que o Brasil abandone o bloco por completo.


"A gente vai ter que conversar. É preciso rever a política do Mercosul e conversar com os parceiros. O Brasil não pode ficar amarrado ao atraso, preso ao Mercosul, sem poder negociar com ninguém. Precisamos avançar, e se eles não quiserem avançar, vamos ter que discutir”, avalia.


Questionado sobre a possibilidade de o Brasil deixar o bloco num futuro governo de Aécio Neves, Barbosa respondeu "todas as opções estão sobre a mesa”.


No início da semana, Aécio Neves chegou a propor o fim do Mercosul durante um evento de campanha em Porto Alegre. De acordo com o jornal Valor Econômico, o candidato classificou o bloco como "coisa anacrônica” que "não está servindo a nenhum interesse dos brasileiros”, e que deveria ser substituído por uma área de livre comércio que "permita pelo menos fazer parcerias com países com os quais tenhamos complementaridade”.


Rubens Barbosa / Crédito: Jonathan Fernandes/CEBRIPrecisamos eliminar a influência ideológica, diz Rubens Barbosa, nome de Aécio para política externa


O embaixador Rubens Barbosa ainda teceu críticas aos parceiros comerciais brasileiros e disse que numa potencial gestão, o PSDB deixaria de selecioná-los devido a "influências ideológicas” e sim primando pelos maiores benefícios econômicos para o país e para os empresários.


Opinando sobre a estratégia, Marco Aurélio Garcia disse que "eles têm insistido em acordos de livre comércio, que são uma visão atrasada dos processos de integração”. Para ele, um novo governo do PT focaria em ampliar ainda mais as alianças já existentes, transformando o Mercosul num "polo industrial”, através de uma "integração produtiva”.


Críticas e propostas

Entre as críticas do embaixador Rubens Barbosa à gestão de política externa do governo atual estão ainda a diplomacia Sul-Sul, que prima pela cooperação do Brasil com outros países em desenvolvimento, como os BRICS.


Na visão dele, ao declarar tal estratégia, o Brasil tem deixado em segundo plano as relações com os países desenvolvidos, como Estados Unidos, Japão e os membros da União Europeia.


"Essa disparidade não interessa mais ao Brasil. Vamos continuar as relações Sul-Sul e ao mesmo tempo voltar a focar nos países desenvolvidos”, disse.


Ele também avalia que as posições da Presidência "atrapalharam” o Itamaraty nos últimos anos, e que houve um "esvaziamento” da projeção brasileira no mundo após o primeiro mandato de Lula, que precisa voltar a ganhar força.


"O Brasil desapareceu, não reage em nada, não fala nada. O país era uma voz importante, e está imobilizado, perdeu muito disso”, indicou. Ao resumir as propostas do PSDB no âmbito de política externa, disse que "o interesse do Brasil vai voltar a ser decidido sem influência ideológica. O interesse brasileiro vai voltar a ser defendido, tanto no nível do governo quanto das empresas, sem essas conciliações ideológicas”, disse.


Quanto às relações com os Estados Unidos, que enfrentam momento incerto desde as acusações de espionagem e o cancelamento da visita de Estado que Dilma faria a Washington, Barbosa disse tratar-se de um equívoco à espera de um pedido de desculpas que "nunca virá”.


Defesa e estratégia

Para Marco Aurélio Garcia, as críticas de que a presidente Dilma Rousseff não se envolve com política externa e que em sua gestão o Itamaraty teve o papel reduzido não são válidas.


"Quando ampliou o número de vagas para novos diplomatas, anos atrás, o Itamaraty foi criticado durissimamente. No ano passado, quando se restringiu este número, também houve duras críticas. O número de diplomatas corresponde a um cálculo dos funcionários de qual necessitamos”, disse.


Garcia defendeu a posição conquistada pelo Brasil nos últimos anos e disse que o sucesso deve-se à visão de que a política externa é um reflexo da política interna. "A política externa não é apenas a projeção de um país para o exterior. Não teríamos conquistado uma presença maior se não tivéssemos combatido a desigualdade aqui dentro”, disse.


Ele ainda disse que Brasília e Washington já estão se reaproximando e defendeu o cancelamento da viagem de Estado após o "ataque” americano a redes e computadores do governo brasileiro.


Garcia acrescentou que as críticas ao discurso recente de Dilma na ONU, de que teria sido condescendente com a violência ao se opor aos ataques ao Exército Islâmico, devem-se a um mal entendido. "O que ela quis fazer foi chamar a atenção ao fato de que o Direito Internacional manda que o Conselho de Segurança seja ouvido antes de uma intervenção armada, e isso não aconteceu”.


E ao rebater críticas de intransigência presidencial e "esvaziamento” das relações exteriores, disse que Dilma "gosta, e gosta muito de política externa”, que revisa seus discursos na Assembleia Geral das Nações Unidas à exaustão, e a versão final "sai sempre do computador dela”, e que a visão negativa da atual presença brasileira no mundo deve-se a "um viés ideológico, senão partidário”.