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NOTÍCIA

Índios fecham portões e mantêm 31 funcionários de refém na Casai

Data: Segunda-feira, 24/01/2011 00:00
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Escrito por Resley Saab / A Gazeta Net   

É a segunda vez, desde novembro que indígenas retaliam descaso do poder público com a saúde

Rio Branco (AC) - É lastimável a situação de 118 índios no aguardo de um atendimento médico na Casa de Apoio à Saúde do Índio (Casai).

Na quinta-feira, 20, quando se completou 76 dias de um movimento que reivindica uma reforma no sistema de saúde indígena no Estado, eles resolveram radicalizar, fechando os portões da Casai, a exemplo do que aconteceu na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) em novembro do ano passado.

Dessa vez, a ordem é mais severa: ninguém entrará nem sairá do prédio enquanto não chegar à Casai o secretário Nacional de Saúde Indígena, Antônio Alves, que está em Brasília.

Diante de um acordo para a desocupação do prédio da Funasa, ainda em dezembro, na Justiça Federal, entre representantes da Fundação Nacional do Índio e indígenas, ficou pactuado que em 30 dias todos os entraves, especialmente, o atendimento médico de urgência para índios à espera de cirurgias, seriam sanados.

O então chefe do Distrito Sanitário Especial Indígena (Desei), Maurílio Bonfim, foi destituído do cargo a pedido dos próprios índios, e nomeado em seu lugar, o sanitarista Raimundo Alves Costa, hoje refém junto a outros 30 funcionários da Casai...

“O clima aqui é o mais normal possível. Ninguém foi agredido fisicamente, recebemos a visita de uma comissão do Ministério Público, também dos Direitos Humanos e comunicamos a situação ao Ministério da Saúde em Brasília”, afirma Costa, que é mantido na sala da administração, onde também se encontra o cacique Francisco Siqueira Apolima-Arara, que diz ser o chefe do movimento. “Dessa vez não vamos recuar mais”, afirma.

Acompanhando o movimento que fechou os portões da Casai está o presidente da Comissão em Prol da Saúde Indígena, Adriel Lima Guimarães, criada também no final do ano passado entre um dos protocolos de reivindicações dos próprios índios.

“O grande gargalo disso tudo é a falta de presteza da Fundhacre (hoje chamada de Hospital das Clínicas)”, dispara Guimarães, que atua voluntariamente e é presidente do Centro Acadêmico dos Estudantes de Medicina da Ufac.

Ele aponta que os pacientes que precisam de cirurgia sofrem tanto pela dor de suas moléstias quanto pelo aguardo de uma oportunidade de serem cirurgiados, enquanto que para outros, a demora está na entrega de exames que já foram realizados.

Casos como o da índia Maria José Rubim Kaxinauá, 50 anos. Guimarães afirma que desde o último dia 10 de dezembro, quando chegou à Casai vindo de Sena Madureira (140 quilômetros de Rio Branco), ela reclama de fortes dores pelo corpo. “Os sintomas são de reumatismo”, diz. No entanto, só nesta quarta-feira, 19, teria recebido os primeiros comprimidos paliativos: nimesulida e dipirona sódica.

Dentro da Casai, o cenário parece mais o de um campo com uma enfermaria de campanha da Segunda Grande Guerra. Os quartos estão abarrotados de doentes trepados em redes e alguns em cama sob mosqueteiros. Não há ventiladores em todos os cômodos e alguns grupos estão dormindo ao relento ou nos quiosques adjacentes aos dormitíorios.

Em um dos quartos encontra-se Francisco Sabino Kaxinawá, de 80 anos, acometido de um derrame que lhe paralisou o maxilar e sente fortes dores. “Ele precisa de cuidados médicos urgentes, mas está aí”, denuncia.

Maria Helena Ferreira Kaxinawá, 61 anos, sente dores no abdome, já foi examinada e deve passar por uma operação, segundo laudo médico. Mas, segundo a Comissão em Prol da Saúde Indígena, ela aguarda pela cirurgia há pelo menos sete meses. No Polo Indígena do Juruá, a situação é idêntica a desta região, segundo os índios.

Recursos existem”, diz voluntário - Desde novembro, segundo Adriel Guimarães, apenas uma cirurgia foi feita. Outros 20 estão com autorização para serem operados, mas aguardam o chamado do Hospital das Clínicas. Apenas um atendimento do Programa Saúde Itinerante foi realizado no início de janeiro. "Depois, ninguém voltou mais", diz.

O presidente da Comissão em Prol da Saúde Indígena diz que o Hospital recebe recursos do Ministério da Saúde para a atenção indígena o equivalente a 400 cirurgias e a outras sete mil consultas por dia. O cálculo é com base no volume de investimentos destinados ao atendimento.

“Pelo que conseguimos acessar, eles vão receber R$ 600 mil do Incentivo à Atenção Especializada aos Povos Indígenas, desde outubro de 2010 até março de 2011. O Hospital das Clínicas tem acesso também a R$ 1,3 milhão por meio do Incentivo à Atenção Básica aos Povos Indígenas, para a compra de materiais, como ventiladores”, denuncia Adriel Guimarães.

E continua: “A própria Funasa tem R$ 8 milhões para os dois distritos, o do Alto Purus e o Alto Juruá. A cada três meses, a Funasa tem que repassar R$ 200 mil para a realização de um encontro do Conselho Indígena, que tem o papel de fiscalizar como estão sendo empregados esses recursos. Porém, apenas um durante todo o ano de 2010, foi feito, no final do ano”.

Chefe nega - Raimundo Costa, chefe do Desei, discorda. Ele afirma que a Casa do Índio só tem em caixa R$ 200 mil, resíduo que é usado para a sua manutenção: compra de alimentos e de produtos de limpeza.

Nota de Esclarecimento

Diante do movimento deflagrado na manhã desta quinta-feira, 20 de janeiro, na Casa do Índio (CASAI), em Rio Branco, o Governo do Estado do Acre vem a público informar que todas as providências para atender as reivindicações do movimento indígena têm sido tomadas de acordo com pactuação feita com as próprias lideranças. Na última segunda-feira, 17 de janeiro, em reunião realizada com a presença da Secretária de Saúde, Suely Melo, os representantes do movimento apontaram as demandas que tinham como principal foco o atendimento de saúde de pacientes que estavam na casa de apoio. Naquela mesma tarde, foi disponibilizada para os pacientes da casa, uma equipe multidisciplinar do programa Saúde Itinerante formada por especialistas em clínica médica, cardiologia, cirurgia geral e pediatria, ao mesmo tempo em que houve oferta de serviços de ultrassom, eletrocardiograma, e coleta de exames laboratoriais no próprio local.

Até esta quinta-feira, 20 de janeiro, já haviam sido realizados 100% dos atendimentos demandados na CASAI, sendo 114 consultas, 112 procedimentos diagnósticos, acompanhamento de pacientes para realizarem procedimentos mais complexos e o devido encaminhamento de dois pacientes que estavam aguardando por cirurgia urológica e já passaram pelo procedimento no Hospital das Clínicas. Vale ressaltar que esses pacientes foram atendidos quase que imediatamente.

Ainda na manhã desta quinta-feira, uma equipe de médico e especialistas estava a caminho da Casa do Índio para fazer a entrega dos 40 exames e prescrever os medicamentos, mas quando a Secretaria de Saúde soube do movimento e da redenção de dois funcionários do local, a ordem foi de retornar e suspender a ação, por medida de segurança. Portanto, todas as demandas encaminhadas à Secretaria de Estado de Saúde foram devidamente atendidas em tempo recorde, levando em consideração que o prazo para realizar os atendimentos era de 30 dias. Lamentavelmente, tal movimento só prejudica os pacientes indígenas e seus familiares, que já poderiam estar sendo medicados e retornando para seus lares.

Por fim, o Governo do Estado declara que tão logo se restabeleça a ordem e o entendimento, todas as ações de saúde serão retomadas na Casa do Índio, garantindo atendimento e acompanhamento aos pacientes do local.