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NOTÍCIA

por Joel Mesquita: A tortura do garoto negro

Data: Terça-feira, 11/02/2014 00:00
Fonte: (*) Joel Mesquita – Cientista Social e Escrivão de Polícia

 

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Artigo 1º, III, vedou a prática da tortura e não abriu exceções para que o cidadão faça justiça com as próprias mãos. Ao amarrar um garoto negro, próximo a via pública no Rio de Janeiro, deixa-lo despido, torturá-lo, até arrancar-lhe sangue, os autores da barbárie, me remontou aos negros nos troncos, quando eram torturados durante o período de escravidão brasileira.


Não me parece razoável, que o fato do garoto ter praticado um delito, seja ele qual for, justifique a ação perpetrada contra o mesmo. É evidente que há muita contradição e hipocrisia derredor da problemática; vejam bem: outro dia o cantor pop canadense Justin Bieber esteve no Brasil, cometeu inúmeros atos de vandalismo, infringiu nossas leis, e nem por isso algum moralista de plantão, teve a “fantástica” ideia de botá-lo amarrado em um poste, deixa-lo nu e aplicar-lhe uma “boa surra”.


Esse grupo de indivíduos, que se colocaram acima de nossas leis, em nome de uma moral seletiva, torturando o garoto, expondo-o a situações vexatórias, agiram como seres tribais adeptos das práticas de sacrifícios de humanos.


Para as massas ignorantes, alheias as noções de razão, de civilidade, de cidadania, não muito preocupadas com as garantias constitucionais, a notícia do fato trágico foi recebida com louvor. Lamentavelmente não podemos esperar outro comportamento de gente pouco humanizada.


O cidadão comum não é juiz. Portanto vedado lhe é aplicar penas; ainda mais quando as penas infringem as normas constitucionais e violam a dignidade da pessoa humana.


Não se pode abrir exceções na aplicabilidade de nossas leis. As normas constitucionais não estão lá para enfeitar nosso ordenamento jurídico. Elas são autenticas e objetivas; vislumbram regulamentar a vida em sociedade, normatizando o que é permitido e o que é vedado.


A hipocrisia é tanta, que no caso em tela, onde um Estado omisso não oferece oportunidades ao menos favorecidos, quando a corrupção praticada pela elite política brasileira roubo o futuro do país, pessoas de diversas camadas sociais, agindo de forma equivocada, tentam fazer justiça com as próprias mãos.


Acredito e defendo a tese de que não podemos resolver nossos problemas e dilemas na base da emoção, externalizando nossas paixões com comportamentos violentos; incorrendo assim nas condutas, que pensamos estar combatendo.


Quem espancou o garoto, “por acaso negro”, criminoso é também. Gente de bem, não age à margem da lei. Não se pode perder de vista, que quem apoia esse tipo de conduta, está fazendo apologia ao crime de tortura.


Óbvio que entendo que o garoto errou ao cometer o Ato Infracional, as pessoas erraram ao torturar o garoto, a mídia erra ao incitar a violência com suas reportagens tendenciosas; assim cada vez mais, a sociedade brasileira, em tempos de Copa do Mundo, manda ao mundo uma mensagem de intolerância e desumanidade nas supostas resoluções dos conflitos internos de ordem social.


Seguindo essa lógica comportamental, cada vez mais, tem ganhado força a prática dessas e doutras ações de viés nitidamente fascista-populista.


Infelizmente, as coisas não vão bem; e nesse diapasão de violência social generalizada, caminhamos a passos largos rumo a uma guerra de todos contra todos, retroagindo ao estado de natureza teorizado por Hobbes.