ARIPUANÃ, Sexta-feira, 29/03/2024 -

NOTÍCIA

LUCIARA: Maioria da população de Luciara é contrária a criação de reserva na região

Data: Terça-feira, 26/11/2013 00:00
Fonte: ASCOM FAMATO

 

 

No dia 21 de dezembro de 1953, o senhor Daniel Mendes Lourdes chegou ao município de Luciara e de lá não saiu mais. Planta mandioca, arroz, milho e cana de açúcar. Está prestes a completar 100 anos de vida e há alguns meses dorme apreensivo com as notícias que rondam a cidade. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), está prestes a implantar uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) na região onde Daniel mora. O projeto, que inicialmente previa 35 mil hectares de reserva, aumentou para 198 mil hectares, tomando cerca de 70% da área total do município que já possui quatro reservas indígenas.

 

“Se acontecer isso, o que vai ser de mim e da minha família? Nosso recurso está todo alí. Vou completar 100 anos e ainda trabalho na roça. Se eu fosse novo até caçava outro lugar. Agora é impossível. Eu não durmo mais, estou preocupado com meus filhos. Minha roça está lá”, desabafou Daniel. Ele e mais de 300 pessoas estiveram reunidos, na última sexta-feira (22/11), em uma audiência pública em Luciara para debater sobre a criação da RDS.

 

O debate foi solicitado pela própria população do município, cuja maioria é contra a criação da reserva. A audiência foi conduzida pelo Ministério Público de São Félix do Araguaia e contou com a participação do Procurador da República e representante do Ministério Público Federal (MPF) na Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, Wilson Assis Rocha.

 

Os moradores de Luciara temem que aconteça com eles o mesmo que ocorreu com os vizinhos do Posto da Mata, retirados da Gleba Suiá-Missú, em Alto da Boa Vista, em dezembro do ano passado. Preocupados, todos os luciarenses queriam cinco minutos para falar, argumentar e solicitar a não implantação da reserva. A audiência durou aproximadamente cinco horas.

 

A criação da RDS foi pleiteada por um pequeno grupo de retireiros formado pela família do atual presidente da Associação dos Retireiros do Araguaia (ARA), Rubens Sales. Ele e a família argumentam, com o apoio da Prelazia, que a RDS será importante para preservar a região. Mas os retireiros que vivem pacificamente há mais de 50 anos na região, produzindo alimentos para subsistência e de maneira sustentável, não apoiam a decisão de Rubens Alves e dizem que não se sentem representados por ele. Além disso, informaram publicamente que não foram convidados para discutir a criação da reserva antes de o assunto chegar ao ICMBio. Retireiros são pessoas que criam o gado em áreas de várzea durante a seca e na época das chuvas levam os animais para a parte mais alta.

 

“Analisamos o processo de criação dessa reserva e vimos que não poderemos mais criar animais de grande porte. A nossa cidade é movida a pecuária. Com essa reserva, os produtores serão obrigados a sair e o governo federal é quem vai tomar conta de tudo. Quem tiver documento vai ser indenizado e quem não tiver vai sair sem nada, igual aos moradores do Posto da Mata. Que democracia é essa que privilegia a minoria em detrimento do desejo da maioria?”, questiona a produtora Enilda Gunther, 53 anos.

 

Solidário ao problema da região, o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato), Rui Prado, participou da audiência e ficou impressionado com as declarações da população. “Vim para me solidarizar aos retireiros de Luciara. São trabalhadores que dependem do sustento da terra. Considero importante a iniciativa do Ministério Público em abrir o diálogo para a população que teve a oportunidade de se manifestar. Mas o mais importante agora é que prevaleça o interesse da maioria. O Ministério Público, defensor da legalidade, tem todo o respaldo para fazer com que a vontade da maioria desse povo seja atendida”, opinou Prado.

 

O procurador Wilson Assis Rocha disse que o ordenamento jurídico apresenta a criação da RDS como uma solução para defender os retirantes. “Aqui não se discute apenas terra, se discute um modo de vida ancestral. Uma forma de produção que permite a criação sustentável de gado na várzea do rio Araguaia. O MPF entende que todo o poder publico tem que se mobilizar para assegurar esta área à população. Se isso vai ser feito através da criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável ou expedição de qualquer outro título isso é uma decisão que democraticamente deve ser tomada pelo poder publico, ouvindo a população atingida”, afirmou o procurador.