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NOTÍCIA

Laudo indica doença mental e ideal 'quixotesco' em Marcelo Pesseghini

Psiquiatra forense Guido Palomba aponta culpa de doença mental e games na mortes dos pais PMs

Data: Terça-feira, 24/09/2013 00:00
Fonte: Terra

O laudo psiquiátrico sobre Marcelo Pesseghini, 13 anos, feito pelo psiquiatra forense Guido Palomba a pedido da Polícia Civil de São Paulo, afirma que o garoto foi levado a matar seus familiares por uma junção de complicações de uma doença mental e fatores externos, como os jogos de videogame. 

 

Segundo o laudo, concluído no último dia 18 e já em posse do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), além da fibrose cística, “Marcelo era encefalopata”, já que sofreu “intercorrência clínica grave com 2 anos, por pneumotórax, durante procedimento hospitalar”. 

 

“Hipoventilou (o cérebro) e isso teve consequências, pois o pulmão ao ventilar pouco, causa hipóxia e a falta de oxigênio cerebral lesa os neurônios. Cérebro lesado em tenra idade é sinônimo de psiquismo com transtorno”, afirma o documento. 


Por conta da encefalopatia, Marcelo passou a desenvolver uma perda da noção da realidade, comparada pelo psiquiatra com a do personagem Dom Quixote, do livro escrito pelo escrito espanhol Miguel de Cervantes. 

 

“Ao matar os familiares (Marcelo) viu-se livre para o mundo imaginado, tornou-se de fato um justiceiro e forniu a mochila com perfume, uma calça, uma faca, um pequeno revólver e alguns rolos de papel higiênico (...) e saiu para dar andamento ao seu ideal quixotesco, na acepção exata do termo”, diz o laudo. 

 

Delírios começaram em 2013


De acordo com o laudo, o delírio de Marcelo começou no início deste ano, “quando passou a convidar os seus amigos para fazerem parte de um grupo (clube) denominado Mercenários”. 

 

Para o psiquiatra, o conceito de “justiceiro” era familiar a Marcelo, por conta da profissão dos pais, os PMs Luis Marcelo Pesseghini, 40 anos, e Andreia Regina Bovo Pesseghini, 35 anos.

 

“A profissão dos pais marcou-o e fazia parte de seu imaginário. Além disso, a morte e a vida, já por sua doença degenerativa (a fibrose cística), já por ser inerente à ação policial, não lhe eram distantes. Marcelo convivia nesse ambiente, nessa atmosfera”, diz o documento. 

 

Segundo o laudo, os games fizeram com que o adolescente, que havia aprendido a atirar e dirigir com Luis Marcelo e Andreia, querer ser um herói, “mais importante que seus próprios pais”. “Assim, despontou a sua realidade, não mais fictícia como nos videojogos, cujos atores sempre retornam à vida, mas um mundo real que lhe satisfazia o sentimento de ser um justiceiro de verdade.”

 

Para o psiquiatra, o “delírio” de Marcelo ficou “encapsulado” e, embora tenha frequentado normalmente a escola sem que ninguém percebesse nele qualquer anormalidade, “a doença não deixava de se manifestar clinicamente”. 

 

Morte dos pais foi libertação


Para o especialista, por conta da superproteção de seus pais, Marcelo os via como um obstáculo a seu objetivo de tornar-se um herói e, por isso, os matou. Sem os pais, o adolescente partiu rumo a um ideal “quixotesco”.

 

“Dom Quixote perdeu a razão depois de ler muitos livros de cavalaria (Marcelo depois de muitos videojogos) e partiu para se tornar um cavaleiro errante (Marcelo, justiceiro errante). O automóvel de Marcelo no lugar do cavalo Rocinante; a faca e o revólver em vez da lança e do escudo; Sancho Pança (o escudeiro) seria os amigos de escola, convidados no dia seguinte; a saída de Dom Quixote de um lugar de La Mancha, tal qual Marcelo de casa. (...) E ainda mais, o fim de ambos é igual em um ponto: ao retornarem ao lugar de origem, sentiram-se fracassados; porém, o cavaleiro andante morreu de tristeza e o justiceiro andante se suicidou”, diz o documento. 

 

Segundo o psiquiatra, ao contar aos amigos que havia matado seus pais para que pudessem seguir adiante com o plano do grupo “Mercenários” e ser desacreditado, a “fantástica realidade (de Marcelo) ruiu completamente”. 

 

“Então, não por arrependimento, mas por fracasso, com a mão esquerda (era canhoto) deu um tiro no próprio ouvido, com a mesma simplicidade que dava tiros nos games, nos quais as pessoas “mortas” sempre apareciam de novo.”

 

Em sua conclusão, Palomba afirma que “a motivação do crime foi psicopatológica”. “É o que ocorre, guardadas as proporções, com o psiquismo de todas as crianças de pouca idade, em que fantasia e realidade ainda permanecem amalgamadas: quando vestem a máscara de leão, não se acham seres mascarados, mas o próprio leão. Em Marcelo, a máscara era a de justiceiro errante.”