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NOTÍCIA

Um trompete, o sol de Cuiabá e o adeus emocionante a Marcos Coutinho

Data: Segunda-feira, 10/06/2013 00:00
Fonte: Olhar Direto/ Jardel P. Arruda

Por alguns minutos da manhã desta segunda-feira, a sala das Orquídeas, na Capela Jardim, foi tomada pelo som do trompete Toni Maia, enquanto as pessoas em volta do caixão choravam ao ritmo do jazz e bossa nova. Toni tocou porque a despedida de um músico tem que ter música. E Marcos Coutinho, antes de jornalista, se gabava de ser músico. “Minha família toda é de músicos”, adorava dizer. 



“Sou músico E jornalista”, dizia, com ênfase no “e”, para denotar o qual talento veio primeiro, veio de berço. Todos os presentes naquela sala, que era pequena demais para tantos amigos e familiares, sabiam disso. Izabel Coutinho, esposa e companheira do jornalista que morreu na madrugada de domingo de uma parada cardiorrespiratória, e Zildinete Coutinho, mãe dele, sabiam mais do que ninguém e choraram mais do que qualquer um.



Ambas estava lá, ao lado do caixão, há mais de 14 horas, o guardando e aproveitando cada minuto a mais que poderiam ter ao lado de Marcos antes do adeus definitivo. As irmãs de Coutinho e de Izabel também estavam lá e as ajudavam tanto a se manterem de pé frente ao baque da perda, como as lembrando que precisavam descansar. Agora, também ao som da MPB, choravam juntas.



Também choravam Matheus, Lucca e Joaquim Coutinho, os filhos de Marcos. Fragilizados pela perda, era impossível para eles segurar o choro ouvindo aquelas notas e acordes que tanto ouviram o pai tocar antes. O som do trompete de Toni e do tecladista que o acompanhava era uma máquina de pranto.




(Fotos: Jardel P. Arruda)

Aquele ritmo, alegre e triste ao mesmo tempo, ajudava todos ali a lembrar exatamente quem foi Marcos, ou melhor, Coutinho, como gostava de ser chamado: um boêmio que, se por um lado tinha uma personalidade considerada controversa, por outro lado era unanimidade em inteligência muito acima da média, raciocínio rápido e no coração do tamanho de um bonde. 



Não à toa aquela sala era pequena demais para tanta gente, que se ajeitava para poder caber mais e mais um que entrava e tentava assistir as homenagens e a missa rezada. Eram amigos, familiares com laços de sangue, familiares cujos laços eram a convivência e consideração. Gente de todas as classes, desde os próprios empregados a senadores, governador e ex-governadores.


O adeus sob o Sol

“Não sei por que você se foi
Quantas saudades eu senti
E de tristezas vou viver
E aquele adeus não pude dar”


Sob um sol ardente, daqueles que só se vêem em Cuiabá, um grupo de pessoas se reuniu ao redor de um cova e cantou. Cantaram porque a despedida de um músico tem que ter música. Não importa se estão no cemitério Bom Jesus de Cuiabá, como estavam, ou em uma sala da funerária.



E esse grupo de pessoas – amigos, familiares com laços de sangue, familiares cujos laços eram a convivência e consideração -, todos tão diferentes, cruzaram a cidade em um cortejo e se emocionavam pelo mesmo motivo: essa saudade.



Coutinho sempre foi muito rápido. De tão rápido, era conhecido por sempre pedir as coisas com um “urgente!” ao fim da frase. Só assim, em ritmo de urgência, alguém poderia acompanhar o ritmo dele. Passou rápido também pela vida.



Mas foi essa velocidade que fez dele um jornalista por excelência. E como jornalista ele foi homenageado um pouco antes da música, por pelo professor Waldir Bertúlio. “Coutinho é símbolo do jornalismo investigativo. Hoje, enquanto choramos, muitos homens maus sorriem”, disse, entre tantas palavras que emocionaram a todos e evocou palmas por minutos seguidos.




(Foto: Lidiane Barros)

De fato, pouco antes do professor dizer isso um dos jornalistas do Olhar Direto comentou: “Imaginem quanta informação está sendo enterrada aí”. Mas foi só isso, um corpo e informações. Porque a garra e a vontade de fazer jornalismo e todo um legado construído por ele continuam vivos.



“E eu!
Gostava tanto de você
Gostava tanto de você...”



Continuaram a cantar, puxados por Zidiel Coutinho, primo e afilhado e Marcos, sob aquele sol – esse sol, com certeza, era uma homenagem de Cuiabá a um de seus ilustres filhos . Quando pararam foi a vez do editor-chefe do Grupo Olhar Direto, Lucas Bólico, prestar sua homenagem ao mestre.



“Esse momento é de muita tristeza, mas quero lembrar que isso aqui é só um ato simbólico. O Coutinho era grande demais para caber em um caixão. O Coutinho continua com a gente, em tudo que nos ensinou, em cada palavra que vamos escrever”, e então gaguejou, emocionado. Lucas foi contratado para trabalhar no Olhar Direto pouco depois de ter passado no vestibular, em 2008, antes mesmo de começar a estudar jornalismo. Não era nem mesmo estagiário. 



Em menos de cinco anos, tão logo se formou, já era editor-adjunto e, no começo de 2013, quando se consolidou o Grupo Olhar, tornou-se editor-chefe. Um verdadeiro filho, jornalisticamente falando, de Marcos Coutinho. “Ele sempre vai estar conosco”, concluiu depois de falar mais algumas palavras, emocionado.



E dos vários ensinamentos que deixou, nunca me esquecerei da nossa primeira conversa, quando eu ainda tinha 20 anos e começava a estagiar na área e ele começou a me ensinar sobre ser jornalista, ainda em 2008, quando era um novato ao lado do Bólico:



“Se você quer ser jornalista, você tem que ser jornalista o tempo todo. Você tem respirar jornalismo. Você precisa se alimentar de jornalismo. Você precisa acordar jornalista e tomar jornalismo no café da manhã. Você tem que almoçar jornalismo e jantar também. Você tem que dormir jornalista. Nunca esqueça isso”.



Por fim, Izabel Coutinho, esposa e companheira de Marcos, reuniu toda a equipe do Olhar Direto que estava presente no enterro (alguns tiveram a espinhosa tarefa de continuar tocando o site, como ele gostaria, enquanto acontecia a despedida) junto a própria e lembrou a todos do quanto era preciso ficar juntos para tocar em frente a obra prima dele: O Grupo Olhar.



“E lembrem-se, é o que? É urgente!”




(Foto: Jardel P. Arruda)