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NOTÍCIA

Para especialistas, radicalismo e demagogia preocupam na Europa e EUA

Data: Sexta-feira, 27/04/2012 00:00
Fonte: Jornal do Brasil

Os atuais cenários econômicos e políticos da Europa e dos Estados Unidos causam preocupação aos analistas mundiais. No Velho Continente, muitos países membros da União Europeia (UE) veem seus índices sociais alarmantes enquanto o desemprego se alastra, especialmente entre os mais jovens. Nos EUA, a retomada da produção se faz gradualmente, mas o país ainda enfrenta muita desconfiança e desemprego, que após o início da crise, em 2008, chegou aos maiores níveis desde 1929.  Nesse cenário, há uma grande diferença entre o enfrentamento à crise por parte das classes trabalhadoras europeias e americanas.

 

Em ambos os casos, porém, dois pensamentos parecem permear o ideário popular: a ideia de que a crise foi causa pela preponderância do sistema financeiro mundial - tendo em vista movimentos como Occupy Wall Street; e a noção, disseminada por muito interlocutores da mídia e da política, de que os imigrantes são a fonte dos problemas.

 

Radicalismo

 

Na Europa, a Grécia foi o único país a receber neste ano um resgate financeiro internacional robusto, de 130 bilhões de euros, mas os agentes da UE não descartam novos auxílios a Espanha e Portugal, entre outros países. Todas os membros da UE debatem as metas estipuladas pelo Banco Central Europeu (BCE) e a Comissão Europeia (CE) para amenizar as dívidas públicas e se prevenir de um colapso econômico. Em outras palavras, isso significa cortes em salários e benefícios antes garantidos pelo Estado. O momento, por isso, é de tensão política.

 

Como efeito, na Holanda, um dos países menos afetados pela crise, o primeiro-ministro, Mark Rutte, pediu demissão na segunda-feira (23) após o governo ter perdido no parlamento o apoio de seu principal aliado, o Partido da Liberdade (PVV), na questão dos cortes no orçamento de 2013. Na França, a candidata do partido de extrema-direita Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, teve a votação mais expressiva no primeiro turno da história da legenda (mais de 18%), o que evidencia a proliferação de ideais xenófobos e radicais entre a população.

 

Nos Estados Unidos, serão disputadas em 2012 as eleições presidenciais. Em março, pela primeira vez desde junho do ano passado, o atual presidente, Barack Obama, teve aprovação popular maior do que rejeição, de 50%. Contudo, os pré-candidatos do Partido Republicano têm muito apelo entre os mais conservadores e radicais. Os maiores nomes para disputar a presidência com Obama nas urnas em outubro são Mitt Romney e Newt Gringrich.

 

Maniqueísmo   

 

Para a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Marketing e Propaganda (ESPM-RJ) Andrea Ribeiro, existe uma grande diferença entre a conduta dos trabalhadores europeus e dos americanos, inclusive por conta dos efeitos da crise econômica terem sido mais devastadores na Europa. Ela contextualiza que houve grande diferença nas políticas sociais dos países europeus, que seguiram o caminho do Estado de bem-estar -  que propõe uma série de vantagens aos cidadãos e trabalhadores - e dos Estados Unidos.

 

“Atualmente, as pessoas estão perdendo uma série de direitos. Não é à toa que a esquerda liderou o primeiro turno na França. A crise foi mais forte na Europa e a atmosfera de decadência é maior.”, disse Ribeiro. “Nos EUA, não houve Estado de bem-estar, inclusive, o Obama não conseguiu nem o plano de saúde público. A luta pelas demandas sociais nos EUA está muito enfraquecida. A preocupação é mais com o desemprego e os baixos salários.”

 

A professora também atenta que os acordos entre sindicatos e trabalhadores para definir salários mais baixos e menos benefícios em troca da manutenção do emprego ainda enfrentam muita resistência na Europa. No entanto, a perspectiva é que este tipo de prática aumente - como já ocorre nos EUA. Ainda, ela considera que existe uma transformação de pensamento em relação aos direitos antes oferecidos.

 

“Esse tipo de acordo foi proposto com muita frequência na Europa, e a perspectiva é que aumente. Mas pelo quadro histórico, é um retrocesso em termos de democracia.”, opinou a professora. “Os mais conservadores na Europa consideram isso um avanço e é um pensamento mais parecido com o dos EUA. Está havendo um pouco dessa transformação, por parte da política e da imprensa, especialmente por causa do desemprego.”

 

Sobre a popularização dos partidos radicais em toda a Europa, a especialista afirmou que esse movimento é acompanhado com preocupação pela comunidade internacional. Ribeiro afirma que o ódio ao estrangeiro serve como uma ‘máscara’ de um pensamento maniqueísta que busca uma solução simples, quando, na realidade, a situação é muito mais complexa. Ela ainda classificou como 'distorção da crise' o fato de os bancos europeus, principalmente os alemães, nunca terem lucraram tanto como agora.

 

“Na França, se por um lado a esquerda está na frente, por outro lado, nunca teve tantos votos pela extrema direita xenófoba. A mídia e os governos tecem a imagem de que a xenofobia causa isso [desemprego]. Vamos relembrar que Hitler surgiu nesse contexto, resguardando as proporções.”, alertou. “Esse fato é de grande preocupação na pauta das relações internacionais. Hoje, os alvos não são os judeus, são os árabes e outros estrangeiros. Tanto na Europa como nos EUA.”

 

Demagogia

 

Roberto Simonard, professor de economia da ESPM-RJ, opina que a reação tanto européia como norte-americana se divide na criação de dois ‘inimigos públicos’. O primeiro é a importância do capital financeiro dentro sistema capitalista atual, e o segundo, o imigrante como figura que disputa o posto de trabalho.

 

Segundo o economista, o foco da conduta das classes trabalhistas dos dois locais é diferente. Na Europa, a organização do Estado e dos trabalhadores está baseada no bem-estar, que faz reivindicações por melhores condições de trabalho e salários, enquanto nos EUA a lógica é da eficiência do sistema capitalista, no qual a própria dinâmica desse sistema permitira o acesso de todos ao bem-estar.

 

Todavia, Simonard aponta que, sobretudo após a década de 60, a organização do Estado de bem-estar na Europa era possibilitado pela prosperidade econômica da época para os países da região. Portanto, hoje seria necessária uma mudança de mentalidade que, segundo ele, deveria tender ao equilíbrio entre o que existe no Velho Continente e nos EUA.

 

O professor inclusive destaca que o período de incertezas e temores causados pela crise ocasiona, no campo político, uma série de discursos que se afastam o continente da realidade econômica. Ele citou o exemplo do candidato socialista à presidência da França, François Hollande que, em campanha, alega que não levará à frente as medidas de austeridade previstas pelo governo Sarkozy caso seja eleito. No entanto, o economista acredita que esse tipo de argumento é vago e o discurso parece ‘demagogia’ para vencer a disputa, tendo em vista que os cortes são necessários para balancear os gastos do país.

 

“O melhor seria se houvesse um equilíbrio [entre o modelo de benefícios aos trabalhadores da Europa e dos EUA]. Sobretudo depois da década de 60, a economia europeia cresceu muito e sustentar o bem-estar era tranquilo. Mas, agora, a solução é cortar custos.”

 

Ele analisa que, na ótica do mercado financeiro, esse tipo de retórica traz incerteza:

 

"O mercado entende que o discurso do Hollande vai gerar maiores problemas no futuro. Sem as medidas mais duras de corte não tem solução, na ótica do mercado. Se alguém faz o contrário está jogando contra a possibilidade de solução.", pondera o economista.