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NOTÍCIA

Caos no Pronto Socorro continua

Data: Quinta-feira, 19/04/2012 00:00
Fonte: Isadora Spadoni – Circuito MT/ Fotos: Mary Juruna

Prefeitura contratou, às escuras, consultoria por R$ 190 mil para solucionar problemas da maior referência em urgência e emergência de MT.

 

Não é preciso ter um olhar muito atento ou senso investigativo apurado para encontrar desleixo, negligência e descaso no Hospital e Pronto Socorro de Cuiabá. Já na entrada lateral, que serve de acesso para funcionários e visitantes, uma poça mal cheirosa chama atenção para o abandono gritante no local. Sobre ela, uma maca abandonada é usada como “ponte” para as centenas de pessoas que diariamente visitam parentes e amigos ali hospitalizados. Esse é o primeiro de muitos obstáculos de quem frequenta e utiliza os serviços do Pronto Socorro da Capital e apenas a “ponta no iceberg” de problemas que a nova gestão, comandada pela IGSR, empresa de assessoria e consultoria empresarial, terá que resolver.



Afinal, a Prefeitura de Cuiabá vai gastar com esta empresa R$ 1,5 milhão por ano.



O odor nada convidativo na rampa de acesso vem do necrotério, que apesar da “forte presença”, aparenta estar quase em desuso. Especialmente naquele setor, a pintura gasta e o rombo no teto mostram que os R$ 6 milhões investidos na “maior reforma da história do Pronto Socorro” ficaram para um passado muito distante. Ou que a ala mortuária sequer foi inclusa na reforma – nem mesmo a última, menos grandiosa, mas mais pontual, que tratou de reparar os danos causados por uma forte chuva em outubro do ano passado. Só que, diferente do que aparenta, o necrotério está mais ativo do que nunca. É talvez o setor mais movimentado do hospital, senão o mais eficiente. Quem diz é Agenildo de Jesus, 20, que “mora” no Pronto Socorro desde o dia primeiro de abril. “Todos os dias a gente fica sabendo que morre alguém. Principalmente lá no Hospital. Parece que quem entra lá, sai direto pra morrer”.



Agenildo entrou no Pronto Socorro após sofrer um acidente com a espingarda do pai e ferir o olho esquerdo. Viajou mais de 300 quilômetros de sua cidade, São José do Rio Claro, até a unidade de Cuiabá, mais indicada para realizar uma operação na retina. Passados quase vinte dias, o jovem ainda não foi submetido à cirurgia e agora corre o risco de perder a vista. A informação que recebeu é que o Pronto Socorro não tem recursos para realizar o procedimento, que custa R$ 10 mil.



Entre os muros

Apesar da reforma, Pacientes ficam em macas improvisadas pelo chão – Foto: Mary Juruna
Agenildo é um dos muitos internos que esperam ser chamados para a “cirurgia eletiva” – procedimento necessário para o tratamento, mas que não implica risco de morte ou sofrimento intenso ao paciente, mas que, por outro lado, pode deixar sequelas irreversíveis caso demore para ser realizada. Quem opta por esperar a “grande hora” no Pronto Socorro fica internado na Ala Verde, local indicado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para alojar pacientes que já passaram por riscos maiores, mas que agora estão sob observação, à espera da alta.



São pessoas que, salvo a necessidade da cirurgia, não precisariam estar ali. Mas não pensam que esperar em casa seja uma boa ideia. Depois de dois meses de espera, e com mais 45 pessoas na frente, o aposentado Paulo da Silva ainda não perdeu a esperança de fazer a cirurgia ortopédica. “Semana passada eles operaram um bocado de gente depois que denunciaram na televisão. Daqui a pouco chega a minha vez”. Paulo passa o tempo nas dependências do edifício, fuma um cigarro na garagem das ambulâncias, toma sol. A única coisa que o distingue dos visitantes é o braço mobilizado e os rezingados. “Aqui não dá pra sair, resolver os problemas lá fora”.



Alas continuam superlotadas apesar do gasto exorbitante com consultoria privada – Foto: Mary Juruna Mas tranquilidade não é a palavra mais indicada para descrever as condições de atendimento e superlotação dos leitos. A reportagem do Circuito Mato Grosso percorreu corredores e acomodações do Pronto Socorro de Cuiabá e encontrou casos de incoerência e absurdos, mas que são rotineiros no local. No quarto de Agenildo, são cerca de 60 pessoas, divididas entre homens e mulheres de diversas faixas etárias e patologias.



Em meio a tanta exposição, o irmão de Agenildo acabou optando por dormir na Capela do Pronto Socorro, na parte externa do prédio. “Já estava ficando doente lá dentro”, conta.


No piso térreo, a poucos passos da ala pediátrica, são incontáveis as macas pelos corredores. Alguns pacientes ficam nos “leitos não-oficiais”, cobertos até a cabeça; outros se mostram mais inquietos e saem em busca de médicos ou enfermeiros. Um deles tinha a cabeça muito machucada, sangrando e fez o seguinte apelo a uma profissional que trajava branco: “Você é médico? Pode me dizer se a minha cabeça está sangrando?”. A funcionária ignorou dizendo não ser médica e deu as costas ao ferido. Com a movimentação intensa, a reportagem não foi identificada no local.



Questionada sobre a irregularidade na Ala Verde, que já havia sido denunciada ao Circuito Mato Grosso, a presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed-MT), Elza Luiz de Queiroz afirmou que o Sindimed-MT vem denunciando constantemente o problema, mas que não viu melhoras significativas. “Eles [durante a última reforma] fizeram uma sala grande para tirar os pacientes do corredor e resultou nisso. Não há a menor separação”. A reportagem convidou o sindicato para visitar o Pronto Socorro, mas não obteve sucesso.



A nova gestão


Esgoto correndo a céu aberto no acesso dos visitantes aos pacientes – Foto: Mary Juruna O contrato fechado entre o Pronto Socorro e a IGSR, empresa de assessoria e consultoria empresarial, vai custar aos cofres públicos R$ 190 mil mensais. A finalidade da contratação é “aperfeiçoar” o atendimento aos pacientes e otimizar o faturamento do Sistema Único de Saúde (SUS). O secretário-adjunto de Saúde de Cuiabá, Huark Correia afirma ter expectativas quanto à nova gestão, mas admite não ter nenhuma informação sobre os trabalhos no Pronto Socorro de Cuiabá que,em tese, devem ter começado no dia 2 de abril. “A nova gestão vai servir para profissionalizar o corpo profissional e melhorar o atendimento de urgência”, disse. A reportagem tentou entrar em contato com a IGSR Assessoria e Consultoria Empresarial, mas foi informada que os únicos consultores que se encontram na cidade estavam em reunião.