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NOTÍCIA

Infrator ganha crédito para extrair madeira no Mato Grosso

Data: Quarta-feira, 24/01/2018 00:00
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO/ FABIANO MAISONNAVE

 

  Fabiano Maisonnave - 13.dez.2016/Folhapress  
Caminhões com toras que foram apreendidos e destruídos em terra indígena pelo Ibama
Caminhões com toras que foram apreendidos e destruídos em terra indígena pelo Ibama


O ano passado foi generoso com Hidemar Finco. Mesmo após ser autuado e embargado pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por fraudar documentos e roubar árvores da Terra Indígena (TI) Parque do Aripuanã, o madeireiro obteve do governo de Mato Grosso uma nova licença de exploração florestal.

 

Dono de duas fazendas vizinhas no norte do Estado, Finco é um dos beneficiários da explosão na concessão de créditos florestais para a exploração de madeira nativa.

 

Só no ano passado, a Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) autorizou a extração de 7.117.049 m3 de árvores nativas. Houve até um caso de autorização dentro de terra indígena, o que é proibido por lei.


Esse volume é maior do que a soma dos demais oito Estados da Amazônia Legal, apesar de o Mato Grosso conter só 18% da região. Se usados, os créditos seriam suficiente para carregar com toras mais de 375 mil caminhões de pequeno porte. Segundo o Ibama, o Estado não tem floresta suficiente para a quantidade de extração autorizada.

Os créditos que o madeireiro recebeu em julho são do mesmo tipo que, sete meses antes, ele teria usado para tentar esquentar os dois caminhões carregados de tora apreendidos e destruídos dentro da TI Parque do Aripuanã, segundo o Ibama.

 

Nessa operação, realizada em 13 de dezembro de 2016 e acompanhada pela Folha, o Grupo Especializado de Fiscalização, unidade de elite do Ibamaachou, dentro dos caminhões, guias florestais e uma nota fiscal de combustível em nome de Finco. Os motoristas fugiram com a chegada dos agentes.

 

As guias, emitidas pelo governo de MT, autorizam a comercialização de madeira extraída na fazenda Taquara 1, pertencente a Finco. A propriedade fica a menos de 6 km em linha reta do local da apreensão e é limítrofe com a terra indígena, habitada pelos cinta-larga.

 

A investigação do Ibama concluiu que as guias florestais apreendidas seriam usadas para dissimular a origem ilegal das toras –o modus operandi de madeireiros ilegais da Amazônia para burlar a vigilância.

 

Em Mato Grosso, o Sisflora (Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais) usa estimativas de volume de árvore em pé, apresentadas pelo solicitante e checados por amostragem.

 

A metodologia pouco precisa abre espaço para inventários de árvores superestimados ou planos de manejo onde já não há mais madeira de valor comercial. Esses créditos muitas vezes lavam as extrações ilegais feitas em áreas protegidas. Logo após o flagrante, Finco foi bloqueado no sistema do DOF (Documento de Origem Florestal), documento obrigatório para transporte de madeira, e recebeu R$ 400 mil de multa, que, como é comum em crimes ambientais, dificilmente será paga.

 

Catarinense, o madeireiro mora na violenta Colniza (1.080 km ao norte de Cuiabá), um dos centros da madeira ilegal da Amazônia. Em abril do ano passado, nove posseiros e trabalhadores rurais foram assassinados a mando do madeireiro Valdelir de Souza, segundo as investigações. Ele está foragido.

 

Os problemas com o Ibama não impediram a Secretaria de Estado de Meio Ambiente de expedir, no último dia 13 de julho, um novo Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS) para outra fazenda de Finco, a Taquara 2, contígua à Taquara 1 e também na divisa com a TI Parque do Aripuanã. A nova licença permite a exploração de 966 hectares.

 

Ao emitir a nova licença florestal, a Sema atropelou a exigência legal que prevê um Atestado Administrativo da Funai (Fundação Nacional do Índio) para a concessão da licença florestal em áreas no entorno de terras indígenas.

 

OUTRO LADO

 

Com relação à nova licença ambiental para Finco, a secretaria disse que a autuação do Ibama contra Finco não foi considerada porque "o projeto foi requerido sobre área particular, e não terra indígena". Segundo a Sema, todos os requisitos legais foram preenchidos e "nenhum órgão ambiental pode se responsabilizar pelas ações ilícitas que terceiros autorizados venham a realizar".

 

Sobre o aval da Funai, a Sema disse que realizou a consulta em setembro de 2011, sob o protocolo 1.378. O documento, no entanto, menciona apenas a fazenda Taquara 1. Apesar do pedido da reportagem, o suposto Atestado Administrativo da Funai autorizando o PMFS não foi enviado.

 

Assim como em dezembro de 2016, Finco não respondeu aos pedidos de entrevista deixados com a sua filha, em sua caixa postal e via WhatsApp.

 

À Justiça, o madeireiro alegou que as guias florestais encontradas pelos fiscais do Ibama se referiam a toras já entregues. Os documento não teriam ficado nas madeireiras, como previsto na legislação, porque não havia nenhum funcionário para recebê-las.

 

Em 21 de novembro, Finco obteve uma nova vitória. Em decisão liminar, obteve da Justiça Federal o desbloqueio do DOF para a madeira extraída da fazenda Taquara 2.

 

O juiz Cesar Bearsi aceitou a argumentação de que as duas fazendas são empreendimentos diferentes.

 

AUTORIZAÇÃO SUSPENSA

A Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (Sema) aprovou uma licença florestal para extração de madeira dentro de uma terra indígena, o que é ilegal. Contestada pelo Ibama e pela Funai, a concessão acabou suspensa.

 

Localizada entre Mato Grosso e Pará, a Terra Indígena Kayabi foi homologada pela então presidente Dilma Rousseff, em abril de 2013. Trata-se da última etapa do processo demarcatório.

 

O governo de Mato Grosso, porém, entrou com uma ação contra a criação da terra indígena. No final daquele ano, o ministro do STF Luis Fux suspendeu o registro imobiliário em caráter liminar. Ainda não há uma decisão final.

 

Como base nessa liminar, a Sema retirou a terra indígena Kayabi de sua base de dados, e, em 28 de julho do ano passado, concedeu uma licença florestal de cerca de 1,5 mil hectares à fazenda Maranata, localizada dentro da área homologada e sob risco de desintrusão (retirada de não indígenas).

 

A concessão da licença ocorreu sem o Atestado Administrativo da Funai, aval obrigatório para empreendimentos desse tipo. A solicitação ao órgão federal, enviada pelo produtor rural Francisco de Paiva, acabou rejeitada em agosto pelo órgão indigenista porque a área "incide totalmente na Terra Indígena Kayabi".

 

No mesmo mês, o Ibama bloqueou o DOF (Documento de Origem Florestal) de Paiva após encontrar, em ação de fiscalização, a placa do plano de manejo florestal dentro da terra indígena Kayabi. Assim, ele está impedido de transportar e comercializar madeira, mesmo no sistema estadual.

 

"A decisão liminar do STF suspendeu o registro da área, o último ato do processo de regularização fundiária. Em nenhum momento, o STF desconstituiu ou anulou a demarcação da terra indígena, que está homologada por decreto presidencial", afirma Juliana De Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

 

"A Sema jamais poderia ter deferido qualquer licença ambiental para atividades ali, pois se trata de um bem público de propriedade da União", completou.

 

Segundo o cacique João Kayabi, que mora na terra indígena, "enquanto o juiz está lá com o nosso registro no STF, os fazendeiros estão derrubando". Ele afirma que vem sendo pressionado para renegociar os limites da terra para permitir projetos como extração de calcário, mas tem se recusado. "Não posso fazer isso com terras da União."

 

Em resposta à Folha sobre o caso, a Sema informou que, "quando a Secretaria Adjunta de Licenciamento Ambiental tomou ciência dos fatos () promoveu a suspensão da licença florestal" dentro da terra indígena Kayabi.

 

De acordo com a Sema, essa decisão, publicada no "Diário Oficial" em 9 de novembro de 2017, ocorreu "antes que tenha se iniciado qualquer tipo de exploração".