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NOTÍCIA

Historiador atravessa o MT de Kombi para distribuir livros há quase 12 anos

Data: Terça-feira, 06/06/2017 00:00
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO/ VINÍCIUS LEMOS

A bordo de sua camionete Rural ou de sua Kombi "transformada" em livraria, o historiador Clóvis Matos, 62, tem uma missão todos os meses: distribuir livros em cidades isoladas e do pantanal.

 

A ideia do projeto surgiu há 15 anos, em Cuiabá, quando era diretor de marketing de uma livraria e criou um espaço de leitura para que o público tivesse acesso a trechos das obras. Matos observou que muitos leitores iam várias vezes ao local.

 

"As pessoas concluíam a leitura na própria livraria, porque as obras eram caras. Então pensei que deveria fazer algo para facilitar o acesso aos livros para quem não tinha condições financeiras", afirmou.


A paixão pela literatura surgiu ainda na infância, quando hóspedes do hotel de sua família lhe apresentavam livros. Ele morava em Iporá, em Goiás, onde não tinha acesso às obras, e aquele primeiro contato foi o despertar do gosto pelo tema. A leitura o levou a formar­se em história e o ajudou a passar em um concurso de técnico administrativo da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso).


Em 2005, três anos após ter a ideia, surgiu o Inclusão Literária. Com recursos próprios, o historiador comprou a camionete Rural Willys verde, intitulada Furiosa, e uma Kombi. Ele reuniu diversos livros e passou a levar a iniciativa a municípios de Mato Grosso, entre eles os mais afastados, como Juína (735 quilômetros da capital).



Nos quase 12 anos de projeto, Matos percorreu mais de 80 mil quilômetros e distribuiu cerca de 50 mil livros para pessoas de todas as idades. Ele aproveita a aparência de "bom velhinho" para ser Papai Noel em shoppings de Cuiabá no fim de ano e diz usar esse ganho extra para contribuir na difusão da literatura. Nos finais de ano, também distribui brinquedos nas comunidades visitadas.

 

"O principal objetivo é facilitar o acesso à leitura e levar as obras para quem vive em regiões distantes."


O projeto teve auxílios pontuais do poder público. Os valores utilizados por Matos para manter a iniciativa partem de seu próprio bolso ou da ajuda de parceiros. "Em Cuiabá é mais difícil conseguir apoio a projetos assim, porque somos considerados periferia. Se fosse no Rio de Janeiro ou em São Paulo, conseguiria recursos mais facilmente."


Para o historiador, os maiores incentivadores são as pessoas que doam os livros. "Eu mesmo vou buscar a maioria das obras nas residências, mas há também aqueles que trazem na minha casa."


FOGO
Em 2015, um acidente quase interrompeu o projeto. Um incêndio, ocasionado por um curto­circuito, atingiu a casa que abrigava os livros doados para o programa de Matos. Ninguém ficou ferido, mas cerca de 10 mil obras foram atingidas pelas chamas.

"Fiquei assustado e decepcionado. Todo o trabalho de anos foi jogado no lixo. Foi triste, chorei muito, imaginando quantas pessoas poderiam se beneficiar do conteúdo destruído", disse.


Cinco dias após o incidente, o historiador retornou à estrada para levar o projeto para a zona rural. Há cerca de um mês, ele usa somente a Kombi para chegar aos municípios, porque o motor da Furiosa fundiu.

 

"A camionete está parada e não há previsão para consertar, porque o reparo custa R$ 5.000." Mesmo com as dificuldades, ele disse que pretende continuar com o projeto enquanto viver e tiver forças para conduzi­lo. Entre as motivações para levar a proposta adiante estão as palavras que ouviu anos atrás de uma idosa que mora na comunidade de Porto de Fora, no Pantanal.



"Eu estava entregando os presentes de Natal quando ela me disse 'o que sei hoje é graças aos livros, que agora tenho oportunidade de ler, porque alguém viu a gente de outra forma e em vez de falar bobagens, trouxe conhecimento'", afirmou.


Além de livros, o audiovisual também integra o projeto. O historiador e alguns voluntários, que o acompanham sazonalmente, orientam os jovens a criarem produções que incluam som e imagem a partir das obras literárias.