O financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, dominou a audiência pública desta terça-feira (1º) na comissão parlamentar de inquérito (CPI) que investiga supostas irregularidades em empréstimos do banco.
Ao todo, o BNDES financiou 682 milhões de dólares da obra, realizada pela construtora brasileira Odebrecht, uma das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Deputados citaram matéria da revista Época que revela suposto tráfico de influência do ex-presidente Luiz Inácio da Silva na liberação dos recursos. Convocada para depor na CPI, a diretora de Comércio Exterior do banco, Luciene Machado, descartou essa hipótese e garantiu que a definição dos empréstimos é meramente técnica e colegiada.
"Temos um fluxo de procedimentos que presume a avaliação por dois colegiados, mais de 50 técnicos participam de uma determinada decisão. Nos procedimentos que o BNDES conduz, os ritos colegiados e as decisões impessoais nos eximem do tráfico de influência dentro do banco", afirmou a diretora.
Questionamentos
Deputados chegaram a falar em "excepcionalidades" que teriam criado condições especiais do empréstimo para a construção do Porto de Mariel. Entre elas, taxas de juros menores do que as de mercado e garantias com base no fluxo de venda de tabaco.
A diretora do BNDES disse ser comum um prazo mais alongado de pagamento, de acordo com a perspectiva de retorno do empreendimento, como já ocorreu em financiamentos no Brasil, por exemplo, no caso da usina de Belo Monte.
Luciene explicou ainda que, quando o devedor é um Estado, há garantias de um seguro específico e adoção de mecanismos mitigantes de risco. Ela admitiu a existência de garantias baseadas em fluxo de venda de tabaco, que seria uma prática comum nesse tipo de financiamento internacional.
Quanto à taxa de juros usada na operação envolvendo Cuba e Odebrecht, a diretora ressaltou que não se pode compará-la com as praticadas no Brasil. "A referência é em dólar, e não em real", esclareceu.
Recursos do FAT
Os deputados também questionaram o uso de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) no financiamento do porto cubano. A diretora de Comércio Exterior explicou que a legislação permite a utilização do chamado FAT cambial no apoio às exportações brasileiras, reconhecendo os aspectos positivos que essas aplicações têm para a demanda das empresas nacionais e na consequente geração de emprego.
Ao negar o viés ideológico dos financiamentos do banco, sobretudo no apoio às empresas brasileiras exportadoras, Luciene Machado afirmou que há um conjunto amplo de países beneficiados. "São 45 países para os quais nossas empresas estão habilitadas a oferecer serviços. Não há conteúdo ideológico", afirmou.
Apesar das explicações, parlamentares de oposição não ficaram satisfeitos. O deputado Betinho Gomes (PSDB-PE) foi um dos que defenderam novas convocações, inclusive de Lula. "Essa CPI precisa ter a clareza de que é urgente e necessário fazer as convocações do senhor Alexandrino Alencar, que é tido como lobista da empreiteira [Odebrecht], e do ex-presidente da República; e quebrar os sigilos bancário e fiscal dessas duas figuras", afirmou.
Documentação
O relator da CPI, deputado José Rocha (PR-BA), concordou que o financiamento do BNDES ao porto cubano ainda precisa de melhor esclarecimento, mas ele disse que prefere tirar as dúvidas por meio da análise de documentos enviados pelo banco.
"Eu não acredito que haja interferência política no financiamento do porto em Cuba. O que precisamos saber é como esses contratos foram aprovados dentro do banco", disse Rocha.
"Temos que, primeiro, analisar todos os documentos e ver se realmente procede essa convocação ou não. Só uma reportagem de um veículo importante do País não quer dizer que isso possa consumar uma convocação. Nós temos que ter dados concretos que embasem isso", afirmou.
Avaliação de risco
O vice-presidente do BNDES, Wagner Bittencourt, também depôs na CPI na condição de convocado. Ele fez questão de ressaltar o que chamou de "eficiência" dos mecanismos de avaliação de risco que têm ajudado a instituição a registrar um histórico de lucro e baixo índice de inadimplência. Bittencourt afirmou que o BNDES trata os projetos de financiamento de forma "republicana e democrática".
Durante a audiência pública, o vice-presidente e a diretora do BNDES também foram questionados sobre empréstimos a empresas do grupo Eike Batista e sobre a participação de 24% do banco no capital da JBS-Friboi, maior doador privado das eleições gerais de 2014, com R$ 368 milhões distribuídos a diversos candidatos.
Wagner Bittencourt ressaltou que, ao contrário do que muitos pensam, não são as grandes empresas as principais destinatárias dos financiamentos da instituição. "De cerca de 1 milhão de operações que o BNDES faz por ano, 95% destinam-se para micros, pequenas e médias empresas. O banco tem aperfeiçoado os produtos para o setor", afirmou.