A estudante Maria Clara Gomes foi dormir ansiosa na noite de 26 de junho deste ano. No dia seguinte, comemoraria os seus 18 anos. A ansiedade, no entanto, não era por conta do aniversário ou da tão sonhada maioridade. Mas porque poderia, enfim, realizar um desejo que mantinha desde os 16 anos: se cadastrar como doadora de medula óssea.
Este foi, inclusive, o seu primeiro compromisso na manhã do dia do seu aniversário. Em meio às ligações e mensagens de amigos e familiares, Clara dedicou um pouco do seu tempo para colher uma amostra de sangue e fazer o seu cadastramento no Hemoba.
"Agora é torcer para que algumas dessas pessoas que estão na fila de espera por um transplante de medula sejam compatíveis geneticamente comigo", diz, com a mesma ansiedade, mas, agora, por uma outra razão.
Compatibilidade
Uma dessas pessoas é Tiago Lopes, um garoto de 11 anos que tem leucemia mieloide aguda e precisa encontrar, com urgência, um doador compatível. A leucemia é um tipo de câncer que compromete os glóbulos brancos, que se reproduzem de forma descontrolada.
O problema é que, com base nas leis de genética, as chances de um indivíduo encontrar um doador ideal entre irmãos (mesmo pai e mesma mãe) é de apenas 25%. Entre indivíduos não aparentados, a chance estimada é de 1 para 100 mil.
Além de Tiago, outras 63 estão na fila da Central de Transplantes da Bahia à espera de um doador compatível para a realização de um transplante de medula óssea. Além das leucemias, o procedimento é indicado para tratar outras doenças que afetam as células do sangue, como os linfomas e o mieloma múltiplo.
O coordenador do Serviço de Oncohematologia e Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas, Marco Aurélio Salvino, explica que o paciente recebe a medula sadia do doador como se fosse uma transfusão de sangue: "Essa nova medula é rica em células chamadas progenitoras que, uma vez na corrente sanguínea do receptor, circulam e vão se alojar na medula óssea, onde se desenvolvem".
Esperança
Considerando os demais tipos de transplantes - córnea (1.207), rim (980) e fígado (91) -, o de medula óssea é o que tem o menor número de pessoas na fila de espera (64) do estado. O Brasil é, inclusive, o terceiro maior banco de medula óssea do mundo, com 3,5 milhões de doadores de sangue cadastrados.
O país fica atrás apenas dos Estados Unidos (com quase 7 milhões de doadores) e da Alemanha (com 5 milhões de doadores), segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Um exame realizado no mês passado revelou que os pais e o irmão de Tiago Lopes não são 100% compatíveis para o transplante de medula óssea. Apesar das dificuldades enfrentadas, o garotinho conta com a solidariedade de pessoas como Maria Clara e com a ajuda dos voluntários da Organização não-governamental (ONG) Seja Semente.
No dia 18 de julho, a equipe reuniu 50 voluntários no Hemoba para doar sangue e fazer parte do Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). Um doador compatível ainda não foi localizado, mas gestos como este fazem com que Tiago e sua família permaneçam com o que é fundamental nesses casos: a esperança.
Existem três formas de realizar o transplante de medula óssea: por meio da utilização da medula do próprio paciente (autólogos), através da doação da medula de outra pessoa para o paciente (alogênico) e com doadores parcialmente idênticos (haploidênticos).
>> Retirar célula do paciente facilita o processo
Quando o transplante autólogo é possível, o processo é mais rápido e o paciente pode voltar a ter uma vida normal, mesmo no caso de doenças incuráveis, a exemplo do mieloma múltiplo, um tipo de câncer que se caracteriza pela proliferação desregulada de plasmócitos (glóbulos brancos) dentro da medula.
A doença afeta, principalmente, idosos e uma das suas principais manifestações clínicas é a lesão dos ossos. "O mieloma é mais frequente que as leucemias, mas menos conhecida pela população e profissionais de saúde, o que dificulta o diagnóstico", diz o médico hematologista do Hospital das Clínicas, Edvan Crusoé.
Segundo ele, o mieloma é a segunda neoplasia hematológica mais frequente, atrás apenas do Linfoma não-Hodgkin. "Alguns dos seus sintomas podem ser facilmente confundidos com outras doenças, por isso é importante que o médico solicite a eletroforese de proteínas para descartar a possibilidade de uma doença hematológica ", esclarece.
Renascimento
Apesar de ser uma doença incurável, o paciente pode voltar a ter uma vida normal após o transplante. O comerciário Julio César, 42, e os aposentados Dalmair Lage, 58, e Paulo César Tavares, 53, são prova disso. "Posso dizer que é como renascer de novo. Só que passamos a valorizar mais a vida e as pessoas", diz Dalmair.