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NOTÍCIA

UPAs fechadas no Estado poderiam atender 121,5 mil pacientes ao mês

Data: Segunda-feira, 25/05/2015 00:00
Fonte: Zero Hora

Impasse financeiro entre União, Estado e municípios atrasa o andamento de um projeto que poderia amenizar a carência de atendimento na saúde pública no Rio Grande do Sul. Em razão do imbróglio, 16 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), prontas para receber entre 150 e 450 pacientes ao dia, seguem fechadas. Juntas, as estruturas têm capacidade de atender a 4.050 pessoas diariamente — em um mês, poderiam prestar serviços a 121,5 mil pacientes. A divergência também torna incerta a inauguração de outras 15 UPAs em obras, criando perspectiva de que, em pouco tempo, serão 31 unidades paradas — total de 229,5 mil atendimentos não realizados a cada mês.

 
Confira no mapa a localização das UPAs:
 

As unidades ficam abertas 24 horas por dia, sete dias por semana, e podem solucionar parte das emergências que chegam à rede pública de saúde. A qualidade da parte operacional não se questiona. O problema está na gestão financeira. Municípios reclamam o não cumprimento, por parte da União, da portaria que criou as UPAs com financiamento compartilhado — 50% de verba federal, 25% estadual e 25% municipal, e gestão a cargo das prefeituras. Conforme a Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs), o Ministério da Saúde tem repassado valores entre 20% e 30% do custo de operação, e as prefeituras têm de pagar a diferença.

 

Exemplo: para UPAs porte 1, União e Estado repassam média mensal de R$ 100 mil cada. O problema, diz a Famurs, é que os custos reais superam os valores estimados pelo governo, chegando a R$ 450 mil por mês. Resultado: o município acaba tendo de arcar com os R$ 250 mil que faltam — 55,5%, em vez dos 25% previstos.

 

A situação tem emperrado o programa. Em Alegrete, por exemplo, a prefeitura já avisou que terá dificuldades em manter a UPA, inaugurada em 29 de dezembro. Em Campo Bom, ao analisar os custos que recairiam sobre o município, o prefeito Faisal Karam desistiu da construção da unidade. Em alguns casos, o atraso da inauguração se deve à espera pela compra dos equipamentos, cuja verba já foi garantida por União e Estado. Mas os prefeitos não garantem que, depois de receber o material, irão abrir as UPAs devido à incerteza sobre poder bancar os custos.

 

 

Ministério rejeita alternativas

Das 58 unidades previstas para o Estado, 13 estão em operação, uma delas em Porto Alegre. Outras 15 estão em construção, enquanto 14 — quatro na Capital — encontram-se na fase de projeto. Das 16 UPAs prontas e fora de operação, apenas uma, a de Bento Gonçalves, tem previsão de abertura: até 15 de junho. Ainda assim, contrariando a norma de servir à população das respectivas microrregiões.

 

— Começará atendendo a população de Bento. Mas, naturalmente, seremos sensíveis a situações de urgência — afirma o coordenador médico da Secretaria Municipal de Saúde, Marco Antonio Hebert.

 

Segundo o presidente da Famurs e prefeito de Tapejara, Seger Menegaz, entre prefeitos de cidades com UPA pronta, em obra ou prevista, reina o pessimismo:

 

— Quem tem projeto não quer construir. Quem está com obra não quer finalizar. Quem concluiu não quer inaugurar. E quem inaugurou corre o risco de ter de fechar.

 

No último dia 14, prefeitos e parlamentares do RS participaram de audiência com o ministro da Saúde, Arthur Chioro, em Brasília. A comitiva propôs ao ministério que autorizasse redução do horário de atendimento das unidades ou que doasse as estruturas físicas para os municípios utilizarem de acordo com as próprias necessidades. As duas propostas foram rejeitadas.

 

Em nota, o ministério afirma que “não há previsão para revisão imediata” dos valores repassados pela União e ressalta que serão aplicados R$ 7,4 milhões (R$ 4 milhões federais e R$ 3,4 milhões do Estado) para compra de equipamentos em nove UPAs no RS.

 

A Secretaria Estadual de Saúde não menciona possibilidade de aumento de repasses e também demonstra-se contrária às propostas de mudança na operação da UPAs.

 

Veja o vídeo:

 

Parceria privada equacionou gestão

Em Venâncio Aires, Maria Helena comemora rapidez no atendimento (Foto: Fernando Gomes)

 

Com sintomas de desidratação, a dona de casa Maria Helena de Oliveira, 59 anos, procurou a UPA de Venâncio Aires, no Vale do Rio Pardo, na manhã da quarta-feira passada. Mesmo não sendo caso de urgência ou emergência, em menos de 15 minutos ela já estava sob os cuidados da equipe médica:

 

— Depois que colocaram isto aqui (UPA), a gente nunca fica esperando muito tempo. No plantão do hospital, a gente vinha cedo e ficava até o meio-dia.

 

A construção do prédio, com 1,2 mil metros quadrados, custou mais de R$ 1,6 milhão. Inaugurada em junho de 2014, a UPA de Venâncio Aires tem capacidade de realizar até 150 atendimentos diários. Com 74 funcionários e 24 médicos, recebe cerca de 130 pacientes por dia — em média, 80% são adultos, e 20% crianças.

 

Com um custeio mensal de R$ 430 mil, a unidade recebe R$ 170 mil (39,6%) do Ministério da Saúde e R$ 135 mil (31,4%) do governo do Estado. Assim, a prefeitura arca com R$ 125 mil mensais (29%), valor um pouco maior do que o previsto na portaria que deu origem às UPAs.

 

Segundo o prefeito Airton Artus, a entrega da gestão da unidade ao Hospital São Sebastião Mártir otimizou o uso das duas estruturas físicas, eliminando custos adicionais como alguns exames solicitados pelos médicos da UPA e realizados pela instituição.

 

— Para injetar recursos na saúde, todo sacrifício de controlar os gastos em outras áreas é válido — garante o prefeito.

 

A agricultora Mariza Wazlawovsky, 41 anos, também está satisfeita com o atendimento recebido na UPA. Antes de levar à unidade, na quarta-feira, a pequena Kauani, três anos, com 39 graus de febre, a trabalhadora rural já havia ido ao local, com o marido.

 

— A gente espera menos aqui. O atendimento é rápido e muito bom — elogia.

 

Unidades prontas não têm perspectiva

Com chaves na mão, secretário Hermany diz não ter como abrir UPA de Santa Cruz do Sul (Foto: Fernando Gomes)

 

Pouco mais de 30 quilômetros separam a UPA de Venâncio Aires, exemplo bem-sucedido de implantação do modelo, da unidade de Santa Cruz do Sul. Com prédio pronto desde agosto de 2014, a prefeitura aguarda recursos para comprar equipamentos.

 

Segundo o secretário municipal de Saúde, Henrique Hermany, a União já acenou com repasse dos cerca de R$ 700 mil que faltam para deixar a estrutura apta a receber pacientes. O que preocupa, porém, são os custos operacionais, que incluem contratação de médicos, enfermeiros e funcionários, em montante estimado entre R$ 500 mil a R$ 600 mil mensais.

 

Segundo Hermany, com repasses de R$ 135 mil do Estado e R$ 170 mil da União, restaria ao município saldo de pelo menos R$ 200 mil a ser pago mensalmente. Com isso, não há, ao menos nas condições atuais, a perspectiva de abertura da UPA.

 

— Como o município vai ser irresponsável de abrir uma coisa que não terá como manter? — questiona Hermany.

 

Posição semelhante tem o prefeito de Santo Ângelo, Valdir Andres, que deixou a presidência da Famurs no ano passado. A UPA do município, na região das Missões, chegou a ser inaugurada em dezembro de 2012, mas, por problemas na construção, teve de passar por reforma, concluída em agosto de 2014. Por falta de recursos, a estrutura segue fechada.

 

— Para abrir, precisamos de R$ 500 mil por mês. Santo Ângelo não tem nem metade disso — explica o chefe do Executivo.

 

— O governo acena com uma balinha, adoça a boca do prefeito, depois larga o neném para ele e diz: “Toma que o filho é teu”. Quem criou esse programa foi alguém de Brasília, que não conhece a situação dos municípios — completa Andres.

 

Em Caxias do Sul, na Serra, após garantir junto à União recursos que faltavam para compra de equipamentos, a prefeitura buscará o aumento dos repasses de custeio, o que, segundo a secretária de Saúde, Dilma Tessari, só será tratado depois que o prédio estiver apto a receber pacientes:

— Teremos de fazer outro pleito, em outro momento. Temos de dar um passo de cada vez.