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NOTÍCIA

Com retirada de Terminal Atacadista, moradores de rua prometem migrar para trincheira do Verdão

Data: Sábado, 10/05/2014 00:00
Fonte: PATRÍCIA NEVES/ OLHAR DIRETO

'Destoando' da magnitude da Arena Pantanal, moradores de rua, boa parte deles dependentes químicos, povoam as imediações do palco dos jogos da Copa do Mundo 2014 e nos próximos dias devem ‘migrar da região’ com a transferência do Terminal Atacadista do Verdão. A 'alternativa' avaliada do grupo é uma possível mudança para a área da trincheira do Verdão ou para um terreno instalado ao lado de um posto de combustíveis às margens da avenida Miguel Sutil. 
 

Hoje, o grupo com cerca de 30 pessoas está alojado em espaços anteriormente empregados por comerciantes e permanece abrigado em um perímetro de cerca de 500 metros que antes dava lugar a entrada do Terminal. Homens e mulheres dividem o espaço entre detritos, lonas, caixas de papelão, mas quase sempre permanecem invisíveis à vista da maioria. Os 'alojamentos' estão a menos de 500 metros do novo estádio erguido para o Mundial de 2014.



Histórias, sonhos, violência e abandono se confundem no espaço. Roubos, furtos e trabalhos de carga e descarga de caminhões fazem parte da rotina e rendem quantias módicas, mas suficientes para manter o prazer imediato garantido pelo uso do crack e pasta base. Cada 'pega' ou 'pedra' custa em média R$ 5. "Puruca", líder do grupo, afirma que a esperança é continuar no local.



Adriana, 31 anos, natural de Juína (730 quilômetros de Cuiabá) possui o ensino médio completo, tem bom domínio da língua portuguesa, e está nas ruas há três meses depois de fugir da Comunidade Terapêutica Lar Cristão onde permaneceu por três dias apenas. Usuária desde os 22, ela conta que perdeu seu casamento, sua moto, e hoje não têm mais coragem de voltar para casa. Não consegue nem calcular quantas pedras fuma por dia. 



A curiosidade fez com que ela aprendesse a fumar o crack, na cidade de Aripuanã onde trabalhava como operadora de supermercado. “Tinha um barzinho e todo dia à noite eu ia assistir tevê e lá tinha umas meninas que apareciam com os olhos arregalados e depois sumiam. Um dia eu perguntei o que era. Fui lá e provei. Não senti nada. Voltei de novo e da segunda vez, deu. Fiquei três dias invernada”.





Aos 31 anos, Adriana perdeu a vida e a família para o crack. (Foto: Patrícia Neves)


“Eu fumei minha moto. Fiquei cinco dias dando ‘uns pega’ direto. Quando acabou, fui pra casa e já não tinha mais casamento. Minha mulher já tinha me abandonado”, lembra a usuária ao falar da fase inicial do consumo. Sem demonstrar piedade de si, Adriana declarou que sabia que está ali porque não consegue deixar o vício, mesmo tendo permanecido por três anos “limpa” após ser internada a primeira vez em Vilhena por sua mãe. “Eu nunca tinha ficado na rua, nunca havia dormido no chão. Tenho curso técnico de operadora de caixa e fui açougueira por sete anos, mas agora é isso”.



Sempre em posse de uma pequena faca, que leva presa ao cós do short, a mulher franzina, homossexual assumida, conta que viver em grupo ajuda na ‘segurança’, mas não é garantia de nada. “Na hora que a pessoa está na ‘noia’ é difícil controlar”. Mostrando um corte no rosto de mais de dez centímetros, ela explica que o ferimento foi feito com cacos de vidro, por uma rival da área. “E eu cortei ela inteira nas pernas”. 



Em meio à sujeira e a invisibilidade social, Adriana destaca que existem pessoas bondosas e que se dispõem a ajudar, o que ameniza a solidão e garante dias de alimentos e roupas limpas. “Há cada 15 dias vem o pessoal da igreja aqui. Nossa, é outra vida nesse dia. Isso aqui muda. É um momento de alegria”. Chorando, ela conta que não procura mais sua mãe porque a mesma é diabética e que tem vergonha por não conseguir mais abandonar as drogas. 




Usuários de crack e pasta base moram a menos de 500 metros da Arena Pantanal. (Foto: Patrícia Neves)


A estimativa é de que pelo menos 400 pessoas vivam pelas ruas da capital, porém, o secretário titular da pasta da Secretária de Assistência Social e Desenvolvimento Humano de Cuiabá, José Rodrigues, avalia que esse número cresceu consideravelmente por causa da Copa do Mundo. O dado foi estimando considerando pesquisa realizada em 2011.



Ele destaca que o município oferece ações específicas para a população de rua, como o Centro Pop, que é referência no atendimento. Ele sustenta que cursos profissionalizantes estão disponíveis para esse público. “São seres humanos. Detêm direitos como qualquer cidadão. Eles têm o direito de permanecer nas ruas, se assim desejarem”. 



“É preciso saber distinguir quem opta por permanecer nas ruas e aquelas pessoas que já não possuem mais nenhum discernimento. Os serviços são diferenciados. Essas pessoas necessitam de um tratamento de saúde”, pontua.



Questionado sobre a internação compulsória, ele pontua que uma série de trâmites devem ser seguidos envolvendo as secretarias de Saúde, que atesta a doença e emite um laudo para que então o Ministério Público Estadual solicite à Justiça a medida de internação. “Depois é encaminhada para a Secretaria de Estado de Saúde que determina um local, uma Comunidade Terapêutica então”. Ele ratifica que ainda neste mês, a prefeitura irá realizar uma reunião com todos os atores envolvidos no processo para que deliberem sobre ações conjuntas. 



Em Mato Grosso, de acordo com dados da Coordenadoria Estadual de Políticas sobre Drogas, ligada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), no ano passado foram contratadas 30 mil diárias para o tratamento de dependentes químicos no Estado. E para 2014, será convocado um novo chamamento visando contratar outras 50 mil. Neste ano, 104 pessoas já foram encaminhadas para tratamento em comunidades terapêuticas. 





Com estacionamento da Arena, usuários planejam mudança para trincheira. (Foto: Patrícia Neves).

A coordenadora estadual de Políticas sobre Drogas, Lenice Silva dos Santos, argumenta que as vagas são suficientes independentemente de onde os Centros estão instalados e argumenta “que muitas das reclamações são decorrentes de situações para internações involuntárias, que são demandas ligadas à Saúde, como ainda pelo desconhecimento de que o atendimento se inicia pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) sendo estes que acolhem de indicam o melhor caminho para o tratamento”.



Questionada sobre a quantidade de comunidades terapêuticas, ela frisa que em 2012 foram contratadas 8 comunidades na capital e outras cinco no interior. Sobre os dados de 2014, citou que “Conselho Estadual está realizando o Cadastramento e Recadastramento dessas entidades somente após se terá o numero real”.



Ela ainda frisa que as vagas existentes são suficientes. “Uma vez que este tipo de atendimento é um dos recursos a ser buscado pelo dependente e seus familiares, onde referencia deve ser sempre os CAPs, e o acolhimento institucional deve ser uma das ultimas medidas, lembrando que em Comunidades Terapêuticas é exclusivamente voluntária”.